31/01/2022

REGISTOS CIVIS - 41 (incompleto)

© DA.


Principium – 41

 



    A 19 de Novembro de 1979 (uma segunda-feira), comprei nesta Cidade um volume publicado pela Gulbenkian: PRINCIPIUM SAPIENTIÆ – As Origens do Pensamento Filosófico Grego, obra de F.M. Cornford (1874-1943). Tão tenrinho eu era então, que só agora, perto dos 58 anos de idade, me acho eu em condições – mínimas embora – de aviar leitura de tal título. Recordo tê-lo comprado por benigna influência do meu professor de Filosofia do 10.º Ano, cujo nome pecaminosamente esqueci.
    À hora de almoço de 5.ª-f.ª/27/1, saio de casa a fim de comprar veneno (tabaco) e assoalheirar-me um pouco. Cá estou, já de Cornford em mãos. Maldigo, apesar de sua prazenteira mornidão, o sol do dia – porque deveria estar chovendo, acho que já por este caderno escriturei a propósito de tal inópia pluvial.
    Trabalhei (julgo que bem) toda a manhã. Folgo a tarde.
    Eis-me ora ante a Alquimia como antecessora da Química. Faz sentido, sim – mesmo que, elemental, o ouro não possa ser fabricado; nem a juventude possa elixiar-se eterna.
    Empédocles & “o roubador de água” (ocorrendo-me a poesia de João Miguel Fernandes Jorge). Anaxágoras. Anaxímenes. Diocles. Hipócrates.
    Muitos, os fantasmas-dos-Antigos.
    E sim, o ar é corpóreo.
    Tucídides & a Grande Peste de Atenas.
    Diagnósticos & (ou como) Prognósticos.
    Heródoto. Eupalino de Mégara. Psamético.
    Epicuro. Lucrécio. Platão. Demócrito do Egipto.
    Seria deveras “frio de dia e quente de noite” o poço de Júpiter Ámon?
    Aristóteles. Teofrasto. Galileu. Homero.
    “Paz de espírito.” “Felicidade terrena.” “Confiança inabalável.” Pois.
    Newton. Pítocles.
    E “as coisas que se passam nos céus”.
    E “as austeras constelações da noite”.
    E “as idades incomensuráveis”.
    Cícero. Ou Liberto. Ou Túlio. Ou Daniel.
    Sim, a tarde não é perdida: Cornford sabe escrever, explica muito bem o que há 25 séculos poderia ser hoje – & é. Em plataforma pelo sol lavada, cidadãos aposentados charlam em surdina. Eles lá sabem. É a possível ágora, agora. (Sim, António Fernando.) Miro deste ponto as arrecuas do Cemitério da Conchada. É onde se alinham em retaguarda os jazigos de quem, mesmo em morte, mostra alguma coisa podida em vida. (Escrevi podida, não confundais.)
    Uma orla de ouro-azul em férias noviças
    não é provável surja em meu próximo horizonte.
    Toucinho ao lado grelhado – e uma sopa de nabiças:
    isso-sim-que-bem-está, havendo serão defronte.
    Conversei hoje com três (mui) maduros em esplanada.
    Um deles sabe quem meu Zé Daniel Irmão é.
    Eu escutei muito – e disse pouco ou nada,
    assim é meu credo sem medo nem fé.
    Maturidade, puberdade & podridão,
    bem que por cron’o’rdem diversa,
    integram o correr da condição
    – que lentas não são fala nem conversa.
    Pousei de Cornford a obra rica.
    Folgo & descanso sem dar escusas.
    Duas velhas senhoras de crânios nevados
    bengalam a par por ruas escusas/esconsas,
    diluindo sombra por chãos calcetados.
    O preço do pão. E o do barbeiro.
    O preço que custa o próprio dinheiro.
    O gás de Rússi’Ucrânia, puta-que-o(s)-pariu.
    Aqui já não chove, nem há sequer frio.

    (Intervalo, por favor.)

  (...)

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Canzoada Assaltante