Carlos de Oliveira
(1921-1981)
Comunicação – 39
Hoje, Terça-Feira/25/I, uma mãe vai à escola dos filhos pelas 15h30m. É ela a dizê-lo ao grupo reunido a partir das duas da tarde. Pensa não demorar-se mais, ou muito mais, do que meia-hora. As pessoas de sobra dizem-lhe que não tenha pressa, que a prioridade é toda dos bambinos, que vá & volte em segurança: “Chi va piano, va sano”.
A sessão é iniciada pela moderadora do colectivo. Comunicação Escrita – é o tema a dissecar.
O colega Abelardo Alexandre Caporal Meixão alinhava considerações sobre a correspondência epistolográfica Fernando Pessoa / João Gaspar Simões. É mérito do Crítico a divulgação do Poeta.
A colega Vera Simone Minde Penha apresenta os discursos de Winston Churchill em 1940, salientando a motivação popular por via de um optimismo que, em segredo, a realidade bélico-provisional até nem fundamentava.
Gino Marcelo Vacas Castro refere a escrita-invertida, só ao espelho legível, do grande Leonardo.
Alberta Lindeza Cerejeira do Vale compara a Prensa de Gutenberg à Cibernética/Informática do século XX.
Hoje não é o meu dia de intervir. Escuto, anoto, sublinho, não perco pitada: o tema interessa-me.
Chega o intervalo, os fumadores saem do edifício, como cães se cheiram na rua. Afasto-me um pouco, vou à esquina, não sei em que ano estou/estamos/estais. Miro sem particular minúcia o mundo que se me depara.
Convocatórias, actas, requerimentos, notas internas, relatórios, e-mails. Números. Títulos. Dia/mês/ano/hora/local, presidente + secretário, ocorrências, deliberações, votações, discussões, assinatura(s). Viaturas, mulheres, janelas, semáforos, olvidos, esperas, conjugações, resultado(s).
O colega Carlos Eduardo Mouzinho da Terceira perora a propósito do contraste oratura/literatura.
A colega Maria Eduarda Fernão de Caminha fala-nos de publicações científicas da primeira meada do século passado.
Tânio José Laranjeira Botelho trouxe consigo exemplares do famigerado Correio da Manhã, pelo que nos pomos todos a contar cadáveres & lágrimas & emoções fáceis & nenhuma ideia em miolo algum.
Anoto segmentos comungados/comunicados:
um grande bloco de informações computadas
a favor da linguagem simples & direccionada
cabe a cada um/a concluir em solidão própria
excursões a Sintra e à Arrábida, mas de estudo
Ruy Belo anotava em bilhetes/títulos de transporte
não havendo consenso, os compromissos foram procrastinados
pelo segundo ano consecutivo, finalmente
Faço por sopitar a emersão de um bocejo fundo. Sinto fadiga, preguiça também. Resisto à mandriice. Combato a pânria. Preciso deste ofício (ou da remuneração que dele aufiro). 15h30m: a tal colega vai buscar suas crias. A moderadora propõe novo intervalo – dez minutos para desanuvi’air’ar as guelras.
Maurício Tomé Henriques Núncio faz uma intervenção muito interessante sobre a degradação gramatical dos nossos dias. Gera-se debate com exemplificações práticas do quotidiano. Uma delas: as gralhas cómico-trágicas dos totós que redigem os rodapés dos telejornais.
Está de volta a mãe/colega. Em meia-hora, seremos livres. Planeio uma incursão célere a um bebedouro que não é longe-muito-longe de minha casa. Levarei comigo, para finalizar releitura, Pequenos Burgueses, do grande escritor Carlos de Oliveira (1921-1981).
Outros anos nos viram diversos versos tersos.
Hoje concatenamo-nos menos bem, na verdade.
Volvemo-nos menos perspícuos, não é mentira.
Vale-nos tão-só a nenhuma superioridade própria.
(Uso a primeira-pessoa-do-plural por V. sentir comigo.)
Em pessoa-singular, pois bem, eu cá sei.
Tenho sonhado lances alquebrados, extravagantes.
Antes tal, enfim, que alambicados delírios.
À face da novinoite, findo a releitura de Carlos de Oliveira,
mesmo exemplar que a 12 de Maio de 1980 me foi ofertado,
ofereceu-mo Maria da Luz, filha de Maria Augusta & de António Júlio,
li-o depois de 6 a 7 de Fevereiro de 1981,
Carlos de Oliveira é das minhas primeiras & mais límpidas
fontes de literatura, em boa-hora o coleccionei,
belamente escreveu tal senhor tão cedo extinto.
Favorece a novinoite um friozinho sem reparo,
fui aos Correios despachar uma pressa feita de papel.
De bandas de Santa Clara já não é muito claro
o livor natural do poente que, claro,
tende a escurecer, caro senhor Daniel.
Patanisca-de-bacalhau devidamente ensalsada.
Taça de maduro roxeando em cone.
Do pasquim local, a manchete gritada
de uma actualidade-zero-igual-a-nada.
(Chamam o encarregado favor-vir-ó-tel’fone.)
D’azulverdepreto, vem de blusão apertado
Jerónimo dos Óleos, benesse-de-pessoa.
Traz pressa fingida & ri macacada,
muito boa-pessoa, pessoa-muito-boa.
D’azulverdepretoetc.
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