28/01/2022

REGISTOS CIVIS - 39

 Carlos de Oliveira

(1921-1981)



Comunicação – 39



    Hoje, Terça-Feira/25/I, uma mãe vai à escola dos filhos pelas 15h30m. É ela a dizê-lo ao grupo reunido a partir das duas da tarde. Pensa não demorar-se mais, ou muito mais, do que meia-hora. As pessoas de sobra dizem-lhe que não tenha pressa, que a prioridade é toda dos bambinos, que vá & volte em segurança: “Chi va piano, va sano”.
    A sessão é iniciada pela moderadora do colectivo. Comunicação Escrita – é o tema a dissecar.
    O colega Abelardo Alexandre Caporal Meixão alinhava considerações sobre a correspondência epistolográfica Fernando Pessoa / João Gaspar Simões. É mérito do Crítico a divulgação do Poeta.
    A colega Vera Simone Minde Penha apresenta os discursos de Winston Churchill em 1940, salientando a motivação popular por via de um optimismo que, em segredo, a realidade bélico-provisional até nem fundamentava.
    Gino Marcelo Vacas Castro refere a escrita-invertida, só ao espelho legível, do grande Leonardo.
    Alberta Lindeza Cerejeira do Vale compara a Prensa de Gutenberg à Cibernética/Informática do século XX.
    Hoje não é o meu dia de intervir. Escuto, anoto, sublinho, não perco pitada: o tema interessa-me.
    Chega o intervalo, os fumadores saem do edifício, como cães se cheiram na rua. Afasto-me um pouco, vou à esquina, não sei em que ano estou/estamos/estais. Miro sem particular minúcia o mundo que se me depara.
    Convocatórias, actas, requerimentos, notas internas, relatórios, e-mails. Números. Títulos. Dia/mês/ano/hora/local, presidente + secretário, ocorrências, deliberações, votações, discussões, assinatura(s). Viaturas, mulheres, janelas, semáforos, olvidos, esperas, conjugações, resultado(s).
    O colega Carlos Eduardo Mouzinho da Terceira perora a propósito do contraste oratura/literatura.
    A colega Maria Eduarda Fernão de Caminha fala-nos de publicações científicas da primeira meada do século passado.
    Tânio José Laranjeira Botelho trouxe consigo exemplares do famigerado Correio da Manhã, pelo que nos pomos todos a contar cadáveres & lágrimas & emoções fáceis & nenhuma ideia em miolo algum.
        Anoto segmentos comungados/comunicados:

    um grande bloco de informações computadas
    a favor da linguagem simples & direccionada
    cabe a cada um/a concluir em solidão própria
    excursões a Sintra e à Arrábida, mas de estudo
    Ruy Belo anotava em bilhetes/títulos de transporte
    não havendo consenso, os compromissos foram procrastinados
    pelo segundo ano consecutivo, finalmente

    Faço por sopitar a emersão de um bocejo fundo. Sinto fadiga, preguiça também. Resisto à mandriice. Combato a pânria. Preciso deste ofício (ou da remuneração que dele aufiro). 15h30m: a tal colega vai buscar suas crias. A moderadora propõe novo intervalo – dez minutos para desanuvi’air’ar as guelras.
    Maurício Tomé Henriques Núncio faz uma intervenção muito interessante sobre a degradação gramatical dos nossos dias. Gera-se debate com exemplificações práticas do quotidiano. Uma delas: as gralhas cómico-trágicas dos totós que redigem os rodapés dos telejornais.
    Está de volta a mãe/colega. Em meia-hora, seremos livres. Planeio uma incursão célere a um bebedouro que não é longe-muito-longe de minha casa. Levarei comigo, para finalizar releitura, Pequenos Burgueses, do grande escritor Carlos de Oliveira (1921-1981).

    Outros anos nos viram diversos versos tersos.
    Hoje concatenamo-nos menos bem, na verdade.
    Volvemo-nos menos perspícuos, não é mentira.
    Vale-nos tão-só a nenhuma superioridade própria.
    (Uso a primeira-pessoa-do-plural por V. sentir comigo.)

    Em pessoa-singular, pois bem, eu cá sei.
    Tenho sonhado lances alquebrados, extravagantes.
    Antes tal, enfim, que alambicados delírios.
    À face da novinoite, findo a releitura de Carlos de Oliveira,
    mesmo exemplar que a 12 de Maio de 1980 me foi ofertado,

    ofereceu-mo Maria da Luz, filha de Maria Augusta & de António Júlio,
    li-o depois de 6 a 7 de Fevereiro de 1981,
    Carlos de Oliveira é das minhas primeiras & mais límpidas
    fontes de literatura, em boa-hora o coleccionei,
    belamente escreveu tal senhor tão cedo extinto.

    Favorece a novinoite um friozinho sem reparo,
    fui aos Correios despachar uma pressa feita de papel.
    De bandas de Santa Clara já não é muito claro
    o livor natural do poente que, claro,
    tende a escurecer, caro senhor Daniel.

    Patanisca-de-bacalhau devidamente ensalsada.
    Taça de maduro roxeando em cone.
    Do pasquim local, a manchete gritada
    de uma actualidade-zero-igual-a-nada.
    (Chamam o encarregado favor-vir-ó-tel’fone.)

    D’azulverdepreto, vem de blusão apertado
    Jerónimo dos Óleos, benesse-de-pessoa.
    Traz pressa fingida & ri macacada,
    muito boa-pessoa, pessoa-muito-boa.
    D’azulverdepretoetc.


Sem comentários:

Canzoada Assaltante