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Liberto - 1
2.ª-Feira, 3 de Janeiro de 2022
À passagem de Bento Ramiro de Bruma Liberto por o ápice da ladeira da Estação Velha, um homem estava escarafunchando o contentor de lixo em demanda de sucata metálica. Isto foi na finimanhã de domingo, 2 de Janeiro. Raros autocarros, pasmaceira monótono-dominical. Monturos de lixo por recolher: ubiquidade do desperdício. No televisor da pastelaria Lusinova, sordidez chunga do vedetismo televisivo à portuguesa. Uma hora depois, na Baixinha, rusga policial à cata de pequenos-traficantes de erva & pó. Alguns agarrados. Outros, agarrados. Na parede do Silva, gravura-calendário: lago com taludes relvados, uma menina, cisnes de opereta. Os bebedores contam-se episódios de carteiras encontradas, sem dinheiro quase todas.
Bento Ramiro de Bruma Liberto está aposentado. Recebe a pensão mínima, dita de sobrevivência. Dorme em uma garagem sem janela nem chuveiro, cede-lha graciosamente um antigo camarada na/da guerra colonial (Guiné, 1966). Entre outros ofícios, foi lavador de carros na Renault; cesteiro em Lordemão; ajudante de motorista num depósito de vidros; e amigado com a falecida Etelvina da Conceição da Cruz Morato, Deus a tenha. Quando o Nixon foi de visita ao Mao, cuspiu no jornal que noticiava tal idílio de mostrengos.
Os domingos são mais precários do que os restantes dias. Bento sofre-os com um estoicismo resignado. Dá uma volta à face do Choupal mas sem ir lá: ao domingo mormente, aquela mata padece de corredores aerófilos & de pederastas sufocantes. No televisor do Armando, Daniel Craig fulmina o vilão Javier Bardem. Há muita maldade no mundo, mas o herói dá a volta por cima, põe-lhe cobro até ao próximo capítulo da saga-007.
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