03/01/2022

PARNADA IDEMUNO - 864

© DA.

864

Quinta-feira,
30 de Dezembro de 2021

    Li por estas noites um livro importante dedicado a uma vida & a uma obra muitíssimo importantes: Para Quê Tudo Isto? / Biografia de Manuel António Pina, de Álvaro Magalhães (ed. Contraponto, Lx., Setembro de 2021). Recomendo o mais vivamente este trabalho. Foi-me emprestado por alguém felizmente recorrente na/da minha vida: Joaquim Jorge, filho de Delfina Mateus & de José Carvalho. Devolvi-lho hoje, por ocasião de uma surtida pró-cafeína nossa de finimanhã. Como sempre, como desde sempre, como para sempre, dia também de irmos a Lares-terminais: ele, a ver a Mãe; eu, ao meu Irmão Zé Daniel.
    Quanto a este Parnada Idemuno, acaba(-se) amanhã. Mais um para o esquecimento. Nada de grave, nada de agudo. Estes cadernos consumam doze meses irrefragavelmente individuais, solitários q.b. Sigo questionando-me sobre/sob que ângulo atacarei a escritura do 2022 proximo. A tendência-propensão é a de cronicar mais, versejando menos. Não me sinto certo. O JoaKing Jorge adiantou-me alguns aspectos do manuscrito que há muitos anos vem (re)fazendo – sei o título mas não posso nem devo indicá-lo aqui. (Nem aqui, nem alhures.) Talvez no próximo ano me seja dado ler tal produção. Espero bem que sim.
    Um dos assuntos tocados em o diálogo com o meu Amigo: certa pessoa de nossos anos primaveris, ser que, agora outonal como nós dois, deveio algo salvífico, seráfico, bem-intencionado – e talvez mais triste do que (não) mereceria. O Joaquim a falar, e a mim ocorrendo-me a pujança adolescente dessa pessoa dos nossos idos de 70/XX. Fortuna de cabeleira longa, ossos faciais perfeitos, olhos (& olhar) de gazela aturdida, perfeita anatomia olímpica. A pele? De se riscar à unha. Belo exemplar do bestiário humano. Civilmente, cometeu matrimónio que não resultou bem, vendo-se trocada, em sendo já madura, por alguém que não era ela. Assim zaratustramente nos falámos, King & moi. Não se trata de falar da vida-dos-outros: mas sim da vida-apesar-dos-outros.
    Resta-me por ora (são as 14 & 34)
    Dobrar sozinho a rebate ante este papel.
    Monologovaqueiramente, profiro meu teatro:
    mas sem ser a retalho & sem ser a granel.
    Uma fêmea de cordões dourados pechisbeca-se toda em certo patamar de minha circunstância. É uma madura de tez acobreada, cabelo negro à força de restaurador-olex, jaqueta azul-violácea coruscante de pratas espúrias, sandalinhas de tricana que já não há. Tomou café, fingindo pressa. Usou uma voz tipo maçã-de-Adão-sem-genitália-macha, à guisa da vigarista Elizabeth Holmes, aquela da Theranos. Julgo eu que vende tapetes, cortinados, panos-úteis, pílulas-do-dia-seguinte. Ao que não perguntei (mas já sei), mora no exacto prédio em que morou o meu Irmão Zé Daniel aquando de nascer-lhe o filho também Zé & também Daniel. Falo dela em “assomo narrativo”, como diria talvez certo filho de Delfina M. & de José C. Acontece-me algumas vezes, isto de empreender prosa-narração que, invariavelmente, resulta – como J.J.C. diz – “esparsa”. A apreciação dele é-me sempre de mor importância – pelo que também por isso venho pensando no a-escrever-em-2022. Estão fora de panorama os cem-anos-da-familiar-solidão que me couberam. Sei irremediável o mútuo-ostracismo a que se votaram a minha consanguinidade & a minha literatura. Certa co-respondente amargura tem remédio certo: e o mais (sem menos) é a caducidade fisiobiológica. Depois & então, é só dar como remediado o que não quis ter remédio.
    Recordo agora certa crónica escrita (que publiquei)
    a propósito de senhora (não-leitora de Jules Verne)
    a quem conheci numa casa-de-alterne,
    ele há quantos anos?, talvez 21, não sei.
    Usava o nome-próprio-mesmo de uma ex-namorada
    que eu gastei em anos tudo-&-por-nada:
    Filomela, rouxinólica & amarela,
    nem havia bela tão bela quanto ela.
    Era em sede-de-concelho-autárquico-municipal,
    ou, mais bem dizendo, era ali em Pombal.
    A noite crescia como uma humidade em pano-cru mas eu não era pobre.
    Estava bem-empregado, duzentos contos ao mês.
    Eu ia ao alterne buscar com que sobre
    escrevesse no jornal ao gosto do freguês.

Sem comentários:

Canzoada Assaltante