03/09/2012

IDEÁRIO DE COIMBRA - 36. O CANSAÇO DO TRIGO Coimbra, sexta-feira, 9 de Julho de 2010 (trecho)




Na mesa ao lado da minha, uma rapariga atende o telemóvel e diz algo que eu não digo há dezasseis anos:

– Bom-dia, Pai.

Não fui à primeira das procissões penitenciais da Rainha Santa. O calor abrandou muito. Já há muito não via isto: uma mulher com uma fita preta no pescoço. Fica-lhe bem, assim como o vestido verde. Que irá ela tomar? Claro: um chá. Uma mulher vestida de ver é como uma montanha azul: algo grande e distante. Bonitos pés encourados de sandália, fio de ouro subindo o preço do pulso, olhos propícios à lacrimação do êxtase de emprenhada. Estou aqui sentado a vê-la, a vivê-la, a escrevê-la, a escrevivê-la, bela, ela, vela. Depois ela sai do Café e do caderno. Resto. Espero. Penso na cor roxa. Penso no meu Irmão Fernando. Ele também é de Coimbra. Uma vez (mais do que uma), estive com ele numa terra chamada Reguengo do Fètal, assim mesmo, acento grave na primeira sílaba. Nós falamos. E quando falamos, dizemo-nos um ao outro. Dói sempre, mas acaba sempre, também, por ser bom. Temos este presente, dois pretéritos e um futuro qualquer. Não importa. Escrevo. Faço. Espero. Hoje conheci ruas novas. Depois vos falarei delas. Tenho andado com Fernando António Nogueira Pessoa. É um dilema terrível: tenho 46 anos, ele morreu com 47. No outro dia, eu assim para o outro Fernando, o meu Irmão:

– Pá, sou mais velho quinze anos do que o Jorge.

E ele:

– Pois és. Fica sempre novo, ele.


Pois fica. O Jorge acabou-se com menos de 32. Cá anda, aqui pelas frases dos sobreviventes: um pouco de sol-torrado nos lunares que (ainda) (lhe) (o) vivem. 

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Canzoada Assaltante