Todo o pato é feLis. Ontem pelo menos era.
VOZES CÁ DO ANIMAL
Leiria, manhã de sábado, 8 de Setembro de
2012
I
Manhã
muito boa para nupciar este trecho da Cidade. A tenda da luz armou-se fresca
& chilreada a preceito. Luz propícia a cismar as sete da matina. Uma
quase-névoa quis londresinar o bairro. Um negro grande de boné de marca e porte
endinheirado chega ao carro também negro e grande também, ajusta o retrovisor,
parte. A flausina seca pica-veias folheia a revista-TV enquanto boceja
cavernames de pólen-d’haxe pelas guelras escancaradas. Não me têm visitado, nem
a Virginia nem o Leonard. Trago-lhes sempre pão, mas. Tenho-me sentado por
aqui. É uma profissão como as outras, só que sem fé e sem círios. É um
livro-de-horas como os outros, só que sem outros claustros que os da galeria da
Rita e os da ermida colonial da Rosa.
O
que vou ser hoje, começo por o amanhã descortinado há tantos anos: um recebedor
de sílabas, pescador de linhas.
Ádua
(ou adua), cães correndo.
Alfeires,
porquinhos da engorda.
Joldra,
tantos sicários.
Récova,
bestas de tiro.
Troço(ô),
que a cavaleiros encorpa.
E
mais prontuárias maravilhas vozeiam pelos animais:
A
andorinha gazeia.
A
andorinha trinfa.
A
andorinha trissa.
(É
multímoda, a cantora.)
O
burro orneia.
A
burra orneja para o contrariar.
O
cachorro ganiza, o cão cainha.
O
camelo blatera, mas a cegonha glotera.
O
canário trila.
O
cavalo rincha.
Já
o coelho, esse guincha.
Chora
o chacal, que o chasco chasqueia.
Crucita
o corvo (mas prefiro crocita), a
coruja chirreia, fretene a cigarra tanto, a tonta, que zangarreia.
Arensa
o cisne e bale o cordeiro.
Canta
a cotovia à luz do meu dia.
Cucula
o cuco, chora o crocodilo, blindado de lata nascida ao quilo.
Pissita
o estorninho de estar tão sozinho.
Cocoreja
a galinha e, vá o elefante bramá-lo, cucurita-cucurica o pedante do galo.
Também
a garça gazeia (e, mais, nem é feia).
Grulha
o grou enquanto aqui estou.
Cuincha
o leitão de todo o coração.
Grassita
o pato muito ao desbarato.
Pipila
o pavão, galreja a pe(ê)ga, gruguleja o peru.
O
ralo rala, acasalado com a própria voz como todos nós.
Regouga
a raposa doze dúzias à grosa.
E
assobia a serpente em ademanes de gente.
(É
formosa, tal e tanta música.)
Sossegada
que não soporífera, a hora marca passo como este homem-bengala que não há-de ser,
se o for, muito mais velho do que eu. É de bigode sorumbático, ao contrário da
camisa, cujo castanho berragrita dourados impensáveis nos homens da minha
infândistância. Não parou para café, segue bengalando galeri’além em compasso
de 3/4 qual palito métrico que tivesse estudado solfejo. Fico eu – e de
sentinela. O caderno incha de quanta tinta eu sinta. Era para ter ido hoje
pintar a casa do Pitéu, que ardeu toda há coisa de meio ano, só que ele não
arranjou tinta, modos que não vou. Um rapaz com crachá ZON TVCABO parece um clone morango-com-açúcar, fala sobretudo
incluída, picotada de é-assins e sendos-ques, cabelo eriçado a
cuspo-geleia, semblante tonyado de óculos marca Carrera. O engraçado é parecer-me bom rapaz, sem a tola veleidade
de sofrer de consciência. Imune à Arcádia Lusitana, imperturbável ante o
sermonário vieirano, tão mais poroso aos Buraka Som Sistema quão menos
susceptível de Redol Soeiro Aquilino, é, como a bengala do coxo de há pouco, o
futuro a que Portugal se há-de encostar – e encosta; e gosta.
(Modos
que resvalo para a amargurazita-fímbria das manhãs de sábado. Não pode ser.
Retomo aonde ia & ao que vim:)
Nupciar
cismando a luz de bonés agrícolas
na
Cidade plena de coisa quase alguma.
(Que
voz terá o puma?)
(Que
silabam elas, as vesículas?)
Mansa
doidice. Tomei já duas bicas, cafeinando o verbal coração de creme &
torrefacção. Se pudesse, estaria por esta hora na praia a dunar visões de
opíparos rêgos de cus portugueses, que a outra adiposa cara são do rotundo
moedame das panças pogonóforas, velosas, hirsutas, cabelosas,
pêlos-caminhos-de-portugal-eu-vi-tanta-coisa-linda-vi-um-mundo-sem-igual-ó-mário-gil-ó-brasil.
Os
cigarros estão-me a correr bem. Em casa, a minha senhora suspirou de alívio ao
sentir que a porta me saía elevador a baixo rua afora. Sinto-a daqui resvalando
lá para o outro lado do espelho, onde uma vez por semana se permite tangerinar
de novo as aventurosas peripécias simples de ter sido uma criança como todas as
mundiais já idas, sidas, tidas, havidas e por haver no porvir. Cismo nela agora
(e sinto a brandura abrandando-me a mão: não tarda, paro de escrever) porque,
afinal, foi para nupciar cismando que me levantei tão cedo, razão mais do que
legítima que me assiste agora, agora mesmo, que paro de escrever – cainha o cão.
II
Quando
me levantara já para ir ao balcão (balcainha o balcão), pagar o gasto e retomar/retornar a casa, chegou o jornal de fresco. Atarraxei de novo o cu ao
alumínio da cadeira, abri jornal e caderno, ponho-me a existir no lado de lá do
mundo paginado (como se alguma outra coisa fizera já na vida). A Direcção-Geral
de Saúde receia (e prevê) mais doença mental e mais suicídios ao virar da
esquina. Coelho, o ministro-primo, saqueou toda a gente menos os tubarões. O
Joaquim Gomes da Mata Mourisca fica em preventiva por ter assassinado o irmão e
a cunhada na quarta-feira. A avestruz existe e a cegonha também. A Vida pode
ser – deve ser – uma CronoCartografia, por mais incerta, insensata, improvável
e/ou inverosímil. Cavaco tem aquele ar de cana seca ao vento que não há. A
Alexandra de Figueiró dos Vinhos atirou os recém-nascidos para o lixo. Fodeu,
emprenhou, despejou, matou, despejou, confessou. Diz que tinha uns quistos que
a inchavam. O primeiro-ministro etc. O coelho guincha. Mosteiro é no concelho de
Pedrógão Grande. A cadeia de Santa Cruz do Bispo pertence a Matosinhos.
Atropelamento em Caneças (Odivelas), gajo com droga em Leiria, restaurante
assaltado em Coimbra (tabaco, leite, refrigerantes), ouro e computadores
furtados de casa na Covilhã, metais gamados no Fundão, pés de canábis no Pinhal
Novo (Palmela), car-jaquim em Samora Correia (Benavente, na estrada da
Samorena), carro desgovernado mata mulher de 48 anos em esplanada de pastelaria
na Gafanha da Nazaré (Ílhavo), chamava-se Maria Clara e merendava com a filha,
corte profundo na virilha exsanguinou-a fatalmente, Stephen Street e Colette
McPartland, os professores ingleses bêbados que deixaram vaguear a filha de
dois anos pela rua, vão poder visitar a menina desde que não bebam tanto vinho
na ocasião, foi exonerado o comandante da GNR de Braga, parece que por causa de
seis militares fardados terem participado em Guimarães no Funeral de Portugal Continental, peça de teatro no âmbito da Guimarães Capital Europeia da Cultura,
Caso Casa Pia (pia o mocho ’té ficar roxo) continua a dar que comer aos prelos
e aos chapéus de artista do Sá Fernandes Ubíquo de Tudo Protagonista, a frase
do dia é de D. José Policarpo, o cardeal-patriarca, que se assume preocupado
por “saber de sacerdotes que ousam dizer:
‘A Igreja pensa que, mas eu penso de outro modo’.”, nem sei de que está ele à espera para mandar acender as
fogueiras no Rossio, pois que tanto incêndio grassa (grassita o pato) por
aís-ais-portugáis, regressou a venda de cigarros avulso fora de controlo, as
pessoas, as pessoas, as pessoas avulsas & convulsas, o País a retalho:
e
se isto fosse tudo, como já vai e aos alfeires, mas era para o caralho?
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