GENTE D’OVÍDEA,
PESSEGUNHA E ARREDORES
Leiria, manhã de quarta-feira, 12 de Setembro
de 2012
I
Um
rapaz de esplendorosos olhos entre o azul plácido e o chispa violeta, orelhas cravejadas
de metal cosmético, mãos quase artificiais de tão cuidada cera viva, roupa azul
(clara no tronco, pernas escuras), mocassins de couro vivo também.
Acompanha-o
uma dessas enxabidas inteligentes e interessantes que vão para arqueologia e
depois acabam casadas com um enfermeiro muito mais velho com três ou quatro
filhos da arqueóloga anterior à perna, uma que agora é lésbica tanto na alta
como na baixa-roda do social.
Sucede-lhes
uma ninfeta empregada aqui no bairro não sei em qual das poucas lojas, que isto
anda tudo mais para fechar do que para voltar a abrir. Alta e branca como vela
da procissão nocturna do 14 de Agosto, magra e graciosa como vela de barco:
vela duas vezes e bela uma.
Depois,
uma rapariga da minha idade mas mais pró acabadota: blusa
verde-prémio-por-pontos, saia azul-prémio-da-montanha, pés insossos cuja pele
se escarola em andamento, mãos de muito trabalho humilhado que a má circulação
infesta de silvas hematológicas. Cara de quem lhe bate o homem.
(Se
não paro de escrever, as pessoas também não param. É o caso de:)
Homem
revestido de algo impensável em 1967 – camisa cor-de-rosa-rosa-mesmo. Não lhe
assenta mal a malha: é de pele iodada pelo bom uso das praias meridionais, a
que decerto este Agosto concorreu com uma seira de filhos e uma mulher vestida
como os ciclistas da Volta a Portugal. (E na Itália o maillot rosa equivale ao amarelo daqui, da Vuelta espanhola e do Tour
gaulês.)
Entretanto,
o jornal do dia chegou. Imirjo nele com a plácida delícia dos resignados:
sempre é uma literatura, enfim.
II
Ricamente
apetrechado de topónimos verdadeiros, ainda assim me dou à fantasia inventora
de nomes de lugares que me fazem falta no Portugal-paralelo que habito sozinho
como um cão. Eis alguns topos espúrios:
ABRESSILVEIRAS
(Magalógica)
BIRAL
(Eixó)
CIRANDA
DO COURO (Esquadro)
DAMASDECOR
(Serlento)
EQUINO
(Fazrazia)
FARRUSCA-A-ANTIGA
(Celeiriz)
GASPARVIM
(Dédala)
HERMINIL
(Runa Magna)
IZOTE
(Beirro)
JUNÇÃO
(Jalosia)
LIBERTADOR
(Quédêle)
MEMBOM
(Malpaços)
NESTAVIDA
(Salguenquer)
OVÍDEA
(Amorarte)
PESSEGUNHA
(Gilvar)
QUOTA
(Recimal)
REISPODES
(Carremédio)
SINTOMUITO
(Casal Perneta)
TRUNA
(Cabisbaixo de Cima)
UNTAS
(Policreme)
VIGARISMAS
(Cambra Rota)
XENIEL
(Brunheiro)
e
ZÚNITE
(Claritade).
III
Bandejam
pombas sobre claras frescas águas,
drapejam
rolas defenestrand’ o fresco ar claro:
haustos
voadores tomos fundos no só olhá-las,
como quem se dessedenta do
licor mai’ raro.
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