STOP DREAMING ME,
MY CHILD, E FICA MAS É POR AQUI
Leiria, tarde de quinta-feira, 13 de Setembro
de 2012
I
É
possível que, havendo sempre quem vigie ao mesmo tempo que outros dormem, os
sonhos transitem por turnos pessoais. O que sonhei hoje entre as seis menos dez
e as sete e dezoito da manhã pode estar a ser re-sonhado por algum velhote de
lar terminal em momento de sesta.
Digo
isto por causa de uma doravante não secreta esperança: saber o fim da história,
no caso de o acaso me permitir o conhecimento de quem sonhou por mim.
No
sonho do fim de madrugada desta quinta-feira, um dos meus irmãos subia um
andaime de pintor de paredes no intuito de socorrer um mocho preso a um cabo
eléctrico esquecido na base da cimalha da casa. Não tenho a certeza de qual
irmão, mas, a ser casa própria, só podia ser o mais velho, o meu Carlos. Eu
acompanhava de baixo a operação. A minha vaga angústia resultava porém menos do
eventual destino da ave magistral do que da íntima certeza de não poder tirar o
olhar de lá cima: porque a meus lados, à altura já de ambos os joelhos, uma
mata voracíssima de plantas carnívoras vinham crescendo-crescendo-crescendo
como o Bolero de Ravel – e se eu as
olhasse, era certo ser ali engolido sem remorsos por elas, as putas.
A
dois segundos das 7h18m, o Irmão, triunfal, mirou-me e riu:
– Já está, pá!
E
nesse instante eu quis gritar-lhe a preto-e-branco que o que ele tinha na mão
não era um mocho mas um retrato do nosso Pai. Um retrato dele quando aquele
irmão já tinha nascido mas eu não, anos longe disso. Acordei então – e então
olhei para baixo: e lá em baixo
era
o que eu queria saber. Que me comam se eu não queria.
II
a)
Senhora de camadas untocarnais de telemóvel activo pela galeria da Rita.
Farfalha-se-lhe a anatomia por camadas febra-freáticas, é certo, mas não
proboscideamente, ainda assim: é de desenvolta ginástica até, tida em conta a
incontável tonelagem daquele calado todo. O rosto é daquela bonomia de todo o
comedor de cozidos dominicais. Pés como cascos de transatlântico, mãos como
bolos de paio, unhas baixas e cimas tipo casca-de-camarão.
Sei-a
casada com um quase-sósia do Professor Tournesol, aquele do Tintin. Esse
aparece pouco por estes quadrilados: suponho-o na oficina-anexo da casa
tentando ressuscitar lâmpadas enquanto ciciassilvassobia La Cumparsita para grande exasperação do canário, que sabe tudo de
música menos tangos.
b)
O moço do Talho Freitas & Sobrinho não é sobrinho do Freitas, é só
Meireles. O acne torna-lhe mais vivo o bife do rosto do que as carnações
expostas ao frio no mostrador. É um rapaz infeliz devagar. Ou então assim: um
bernardo-soares que ainda vive com a mãe, que o não deixa comer em
casas-de-pasto de sobreloja.
Ninguém
lhos dá, mas já dobrou os cinquentas. Também ninguém lhos tira. Tirou ele a
sexta-classe à noite, a mãe empregou-o logo no Freitas, aí estamos todos
felizes da vida menos (ao menos aparentemente) ele. É sócio do União de Tomar e
das Marchas SantAntoninhas do bairro da Encarnação. (Encarnação é a imóvel
musa, ou tusa, dele; o bairro propriamente dito é o dos Cântaros de Deus, de
por lá chover que Ele a dá, mesmo que o resto da cidade seja mais enxuto do que
o Arizona.)
Tenho-o visto muita vez ao
acaso ao ocaso derradeiro das jornadas, quando levo o cão a desbexigar-se e a
ler com os óculos na ponta do faro as mijadas dos outros no sopé dos plátanos,
ali ao pé dos táxis e dos homens-sexuais de beira-rio. (Não estou a dizer que o
Meireles também atraca de popa. Não tenho, aliás, nada que dizer dele, pelo que
ficamos mas é por aqui.)
Sem comentários:
Enviar um comentário