PRÉMIO POR
OBJECTIVOS
Leiria, tarde de quarta-feira, 29 de Agosto de 2012
I
O
objectivo de cada dia é ganhar para ti o mesmo dia,
chegar
a casa com simples & boa nova de existires,
fundamentar
de ti as décadas da nossa história vulgar
e
feliz.
Grandes
extensões de água medeiam o teu ser continental,
reflicto
eu sem pressa entre arvoredos e dunas oxidadas
de
tanta espera, que
alguma
vez, como sabes,
tinha
de nos ser – e agora é e é esta,
desta
vez.
Vês?
Acredito
no bom ano passado-futuro como acredito
na
verdade da flora, na franqueza da terra &
na
simpatia da senhora dos Correios
que
a esta carta para ti dá vazão &
prioridade.
Quanto
a todo o resto,
se
alguma coisa te presto,
estás
à vontade.
II
No
tempo das tâmaras natalícias saíamos ao frio,
éramos
muitos então e nada receávamos,
não
nos admoestavam a pobreza nem o cio
estávamos
gente e nem pensávamos
que
outras vidas viessem conspurcar as nossas simples,
não
era ’inda então como agora tem de ser,
celebrámos
os vint’anos com uma garrafa de Dimples
e
um punhado de nozes bem boas de roer.
Depois
vieram as neves, as primeiras mortes
da
nossa povoação sentimental,
fomos
prà tropa, tirámos às sortes
quem
faria da Natália a metade conjugal.
A
mim, não m’ela calhou: acabei no remoto desterro
de
um qualquer nenhures Algures chamado.
Bebi
muito vinho, cometi muito erro,
mas
já tenho mais que um livro publicado.
III
Ao
lado da minha poesia têm andado muitas muito painças
gajas
boas de milho, mas sem aleivosas obscenidades.
Pego-as
verbalmente (só verbalmente) em pinças.
Louvo
delas as carnudas qualidades.
A
minha Senhora, ao cabo de me ler, torce um pouco
o
nariz bonito e desconfiado. Não é que não ache graça,
a
minha Graça, a tais versejações de manso louco,
mas
de quando em vez atira-me as oftálmicas e, por pirraça,
desafia-me
a trocá-la por elas, as gazelas, as beldades.
Finjo-me
de pronto escandalizado – e grunho assim:
Como
provera eu a cambiar-te, ó pura beleza, ó monstro d’arte?
E ela, apaziguad’amansada,
dá-me o melhor do seu jardim.
2 comentários:
Não sei se de mim, se do poema, se da interacção... senti-me a entrar à socapa num monólogo muito, muito íntimo...
Bem-vinda na mesma, Maria João.
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