SÓ COM CANELA
Leiria, manhã de quinta-feira, 13 de Setembro
de 2012
É
um quiosque de jornais, tabacos e demais utilidades a meio da praça central da
freguesia. Foi de Casimiro Pai, é de Casimiro Filho. É como se as décadas só
pudessem ser notadas porque o filho é um quase-nada um quase-tanto moreno
quanto o pai. Há café de cafeteira sobre chapa eléctrica. Nem pai nem filho
quiseram uma máquina-expresso das pequenas. A mulher do actual Casimiro vem de
duas em duas horas trazer café novo, leva a cafeteira que servia e serve a
cafeteira que traz. Do outro lado, a padaria do Acácio tem os biscoitos de
canela. Traz-se dois biscoitos (um é para o Casimiro, que não perdoa
ingratidões), pede-se café – e é uma alegria simples e de pé. Do lado oposto ao
Acácio, vive e trabalha a taberna. Chama-se, por graça de apodo, Tasca Mosca. É
do Adérito Filho, tão Mosca como o defunto Adérito Pai. O Acácio Pai, também
falecido já, foi casado toda a vida com a irmã do Adérito Mosca pai deste
d’agora. A padaria chama-se Progresso da Mocidade, mas ninguém lhe chama assim
porque às vezes o povo é mauzito. O povo chama-lhe Padaria da Mosquita, por
causa da patroa, a Irene, mãe do actual Acácio, ser dos Moscas, por modos que
já o pai dela, Adérito também e avô deste d’agora, era Mosca.
Há
quem, como eu, traga a cadeirinha de campismo e fique por ali um par de horas
boas à espera da boa-sorte, que tanto pode ser uma terminação jeitosa da
lotaria como um telefonema de França crepitando daquele lado do mundo a voz da
nossa filha, que anda por lá de ménage a fazer pela vida, sempre é menos mau do
que andar por lá na vida a fazer ménages a três e a uma data deles mais.
Percebemos
vagamente, obscuramente, que já não é como dantes, quando viemos de África e em
vez de ficarmos aqui no sossego fomos para a Europa. Não costumo alinhar nessas
falas porque o pessoal encarniça-se um bocado e isso é mau porque todo e cada
um tem a sua caçadeira em casa e ninguém mora assim muito longe do Casimiro.
Quem
também aparece muito mas só de vez em quando é o Autarca. A gente, por ser
màzita, chama-lhe o sou-Residente-da-Cambra. É por causa de ele lá estar há quase
tantos anos quantos tem de viúva a Irene Mosquita. Ele sabe mas faz de conta
que não, ri-se na mesma c’a gente e da gente.
Nisto,
o Tempo passa. Em lugar dele, fica o falarmos. Um conta que a mulher lhe
apareceu horrorizada na cozinha. A gata da casa tinha devorado no pátio duas
crias dela mal acabadas de nascer e nascidas mal acabadas. Tinham sobrado
apenas, para horror dela, duas cabecitas. –
Parecem brinquedos estragados da minha netinha – gania ela. Outro relata o tempo que andou na Bélgica a canalizar
obras, o dinheiro que podia ter ganho se lá tivesse ficado só mais uns
doz’anitos.
Quando me levanto para ir
almoçar a casa, nem sei se o faço ontem, se depois de amanhã: como nunca sequer
rabo terminal de lotaria alguma vez me contemplou, nada há que me marque
qualquer linha separadora na vida, à semelhança do antes-depois dos tónicos
capilares. Quando muito, talvez, termos tido, a Graciete e eu, a filha, que
acabou por casar em França com um brasileiro daquelas seitas evangélicas e
coiso que nunca quis nem hei-de querer conhecer, no que sou apoiado sem meias
nem peias pelo pessoal do quiosque e pela Irene Mosquit’ Acácia, que é quem faz
os bolos de canela tão bons de morfar com café de cafeteira.
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