ANIMALÍNGUA
Leiria, manhã de segunda-feira, 24 de Setembro
de 2012
I
Munificência de cômoros a esta hora claros:
festão de rendas da geada, sagaz calafrio dos ossos.
Nenhuma represália & nenhum infortúnio.
Equidade & clemência – isso sim.
O nardo & o jardim.
Junco em carmim.
Palor do crepúsculo renascente: cortina
içando-se proscénios – e cada renascimento (a)o dia é uma veterania.
Alvejam os emblemas vivos da realidade:
ciprestes, salgueiros-da-Babilónia vulgo chorões, primeiras mulheres que se
espera alguém ame com decência e rotina.
Nenhuma fetidez deletéria & nenhum
feltro nojoso.
De boa flanela fresca é o gibão de
ar-luz da segunda-feira, cuja madrugada
choveu boa cópia larga de água.
Equânime arbítrio da mão-que-escreve: por tudo
quanto seja ali sem sair daqui.
A atenção como eloquência.
Transmuda-se tudo para igual se devir.
O devir acima de tudo.
II
Ter com a Língua (e, por extensão, para com
a Vida) a mesma naturalidade dos animais para com seu próprio corpo – projecto
felicíssimo me parece esse.
Como a natural cadela branca que quis
agraciar-me com inesperada saudação à matina fresca e branda: deitou-se-me aos
pés esplanados, coça-se agora com minúcia e método. É uma veterana eficiente,
parece-me. Humanamente, terá os seus cinquenta e picos anos. Boa lã clara algo
torrada de ouro lombar. Mansa como um pêssego ou entardenoitecer de praia.
Apetece-me tê-la perto, num quintal de casa
térrea com poço e limoeiros, uma cama para ela na casa-de-lenha entre
ferramentas que iria, eu, aprendendo a manejar para culto, fruto e usufruto do
maná da terra.
(Isto dos poet’ontos urbanos armados em
sachadores de minhoca & caco-de-tijolo tem sempre a sua ridícula, inofensiva
inocência.)
Ela acaba desistindo do nosso projecto de
vida comum em cenário aldeão. Substitui-a um cão preto maior que come o resto
do pão das pombas pelo passeio da avenida-língua-minha-vida.
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