I. Simetria
Casas há que são cartas por escrever.
Outras são também brancas, mas cisnes.
As casas têm pescoços caligráficos.
Elas fecham a boca e abrem os olhos.
Quando é o contrário, é a tragédia.
Todas as tragédias são domésticas.
Passo nas ruas, fica-se-me a sombra nas casas.
Nunca volto inteiro a casa.
Também os pescadores perdem no mar a sombra.
Quando voltam, voltam estátuas de sal.
Aves e mulheres tossem-nos.
Árvores há que são lápis escreventes.
Outras são também negras, mas corvos.
As árvores têm pescoços caligráficos.
Elas fecham os pés e abrem os braços.
Quando é o contrário, é a tragédia.
Todas as tragédias são genealógicas.
Passo nas áleas, fica-se-me a luz nas árvores.
Nunca volto inteiro do bosque.
Também os caçadores perdem no bosque a luz.
Quando não voltam, ficaram árvores de sal.
Aves e mulheres caçam-nos.
II. Remoçamento das Viúvas
Gnomam pelas hortas-jardins as escuras viúvas.
Eiras e leiras seivam de sóis e de chuvas.
Nabos rubescem, licoram-se as uvas.
Medram medas trigas tais douradas vulvas.
III. O Sol Daqui
O sol é feito de água.
Os homenzitos velhos flutuam de costas.
Os cães têm escamas tristes e longas.
As árvores algam as cabeleiras.
E os corações afogam-se.
IV. Pois, as Nossas Vidas
As nossas vidas são casas de putas
guardadas por nós com um carinho
que só pode ser deste mundo.
Mijamos porta fora mas dentro
até ouro cagamos – para nós.
V. Mais Música
Frequentei outrora conventos gasoleaginosos,
profetas de baunilha, sarampos de morango.
Eu fui já maravilhoso moço de tango,
entre poucos outros maravilhosos.
Nem sempre cavalocorcelei carrosséis,
mas nunca falhei valsasouropéis.
Marchitas cordatas de colete & gravata?
Muita campinei entre Zés e Manéis.
Bebopei, blueto, jazzações humanas,
’té chinelei acordeações tricanas.
Luzita vermelha, boîte azul:
coração a norte, a morte a sul.
VI. Nunca Li Feuherbach
Tão findos são os mais lindos
de si tão desavindos como
os mais feios sem meios
alheios correios
de deuses diabos caragos e santiagos
licros ouros de si despingam coitados
mundo é contratantes
antes fora de contratados.
VII. Oxi
O sinal da minha vida é esta árvore respiratória.
O sinal da minha morte é esta árvore respiratória.
Tudo existe tanto duas vezes ao mesmo tempo.
Tu nasces, escreves, morres, lêem-te. Quem respira?
Poemas: Caramulo, manhã (I) e tarde (II a VII) de 18 de Junho de 2007
Fotografia: Caramulo, manhã de 18 de Junho de 2007
1 comentário:
Respiram os que te acompanham. Respiram...-te!
O que é sina de todos nós, não é mesmo? Respirarmos quem nos acompanha, um dia (com sorte) respirar-mo-nos com quem nos acompanha...
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