Estou daqui a ver um homem doente que mal suporta ser capeado pelo sol. Cabelo fino e pouco pesponta-lhe, ralo, o crânio casca-de-ovo. É de olhos que já viram melhores dias. Como preciso de escrever, decido pegar numa pedra e partir o espelho.
Tenho a memória, tenho o mar.
Tenho a montanha, tenho o esquecimento.
Por que raio me falta tudo?
É no minimercado que se habita o desejo.
Uma volta magra pela vila magra.
Casas cheias de vazio.
O vento farfalhante na árvore interior.
Dois homens falam sobre mel.
Passa uma velha que cheira a sabão.
Coisa raríssima: uma criança.
Sobre nós, suspendendo-nos para baixo, a tenda do tempo. É o tempo todo. Nós somos ninguém. Só temos nomes.
Estou daqui a verificar as leis.
Antes, dei uma volta pela Noruega. Casas, fiordes, a independência em 1905, a comida, as crianças respirando através da neve. Parti depois para o senhor Sam Shepard. Regressei à vila sem dela ter saído. Memória e mar, montanha e esquecimento.
Estou daqui a sentir os anjos.
Celebrei a chegada do Verão com uma ameixa.
Só o fruto era verdadeiro.
O amor que me tiveram ainda me laca os ossos.
Antes disto, as mulheres entravam casa dentro, instituíam comidas paralisantes, recortavam pão, cediam vinho. Hoje, embora são.
Para a frente, arroios vingarão corrimentos.
Enquanto, o coração, pinçado de vidro, lanceta as têmporas.
Estou daqui a desarrumar mortalmente o baile.
E nem há baile.
Frangam sardinhas carbonizadas aos santos de Junho.
Acordeões ventilam como aspiradores.
Se cinco não perfazem um punho,
um coração não perfaz duas dores.
Esta é a minha vila.
Esta é a minha vida.
Pássaros trilam ar,
apogiaturas de penas.
Uma égua bebe água.
Que a cachorra nunca morra.
Texto e foto: Caramulo, tarde de 21 de Junho de 2007
1 comentário:
E é assim. Beijos.
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