Para o meu Amigo João (da) Bininha,
que hoje completaria 44 anos.
A absoluta boca da madurez
come os próprios dentes.
O pão negro da lucidez
come as próprias sementes.
Já me foge o lírio da perspectiva.
Varre-se-me insone o doce sono.
Ando por mate tapete de outono
que não me quer que morra, nem que viva.
Tudo aceito. Os dias vão. A noite fica.
Luminosas mulheres que queres são rosas.
À luz de velas sombram, vaporosas,
umbrosas sopram o fumo da bica.
Já refulgiram dias que fugiram.
Os campos desertaram sem destroços
que não apenas corpos já sem ossos,
lucimaduros mesmos se engoliram.
Não tem a vida ’sperança, só vã guarda.
Inserta, a vida na morte é certa.
Acerta o passo cedo, que não tarda
viagem acabada em estrada aberta.
Tens aqui tu tudo o que me foi lírio.
Rosa não tens, não tenho, se perdeu.
Marcial é do viver o martírio
e mártir do morrer quem não viveu.
Não espero, não volto a este lado,
não tem espelho o lado que não espera.
Quem tape o tapete à primavera,
mate lhe fica o mesmo e outonado.
Casas onde o frio se alumia
brilham de noite em prata de cal.
Cá fora, sempre noite, nunca dia.
Dentro, a fria noite por igual.
Cãezitos tossem ungidos de chuva.
Gatinhas parem dúzias de ratinhos.
Mãozita enregela quando a luva
dedilha pelo chão gestos sozinhos.
Um pouco de toucinho, pão de milho,
canoro vinho lento sonolento.
Café. E de aguardente um quartilho
p’ra suportar da noite gelo e vento.
Escutar a horta, à porta as laranjeiras.
Sentir no escuro o lume a rubricar
a cinza do que gerações inteiras
esqueceram mas quiseram escutar.
Vem connosco daí, ó nossa idade.
Uma noite estira e atira acabada.
Uma idade é ida, vida e chegada.
Partir não é quebrar, é mocidade.
Quando, final, vier o frio eterno,
numa coisa o lixa o coração:
é ter o lírio vivido de verão
’inda a rosa não vivera o inverno.
Caramulo, tarde de 22 de Junho de 2007
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