08/06/2007

Rosário Breve - 3

Hoje,
8 de Junho de 2007,
n'O Ribatejo
mais uma crónica.
Ela Voltou

Ela voltou para mim.
Confesso-vos que, algumas vezes em que me achei mais fraco e delido, muito pressenti não voltar a vê-la. Foram dias esbraseados pela inclemência canicular, noites sulfurosas em que da boca aberta e seca me saía um coração enxuto e fechado. Mas, para minha boa sorte, errei.
Ela voltou esta mesma manhã. Agora é de tarde, quase noite até, e ela permanece. Amo a sua nudez não passível de igreja, o descalabro da sua antiguidade fingindo-se moça, o seu despudor cantante, o cristal líquido dos seus gestos desossados. Ela voltou – e eu olho-a com estes que a terra há-de desidratar.
Acho-a magra. É toda linhas, por e para onde quer que a olhe. Dá a ideia, decerto segura, de ter vivido sempre descalça. Olha de cima as árvores e o traçado das ruas. Ela respira como um pára-quedista: sustendo o coração.
Sei que partirá de novo. E que de novo enfraquecerei, temendo menos a morte do que não voltar a vê-la. Assim seja, pois sempre assim tem sido. E pois que até a senhora do café, à porta do estabelecimento, a olhou longamente, exclamando-me depois: “Bendita chuva!”.

1 comentário:

Paula Raposo disse...

Gostei da comparação. Inevitavelmente pensei numa mulher que a chuva transformou...

Canzoada Assaltante