02/06/2007

Outras Palavras mas Estas

1
Na hora cinza junto ao parque homens doentes.
Também a pouca brisa um pouco febril.
O batimento dos corpos lanceta gelo.
Medicamentam o coração com ácido mole.

Esta é uma passagem para o outro lado.
O outro lado espera-nos e compõe-se-nos.
No parque as veias caminhantes ensombram.
Andorinhas e cães torneiam alamedas.

Palavras certas teriam acertado a vida.
As noites recataram todo o erro.
Muitos anos até aqui poucos.
Poucos anos a partir daqui.

Focinhamos na própria baba nós eles.
De candeeiros arde um nada de ouro.
Máquinas paradas pensam frias.
Uma mulher penteia um vaso.

Também noutra vida fui só feliz.
Leio relatos de crimes sem castigo.
Sou surpreendido por novas disposições.
Tenho um corpo que entristece autónomo.

Escadarias para ninguém juncam erva.
Águas pulsam relógios sobre pedras.
Hortos desenham comida verde.
De uma chaminé um dedo de fumo.

A cara deste homem na minha mão.
Este morto educado despindo-se no escuro.
Pão antigo igual a madeira ao ar.
As horas iguais como frascos tóxicos.

As pétalas iguais como horas.
Na carrinha do carvão a pá cravada.
Desejo outras palavras mas estas são.
Oliveiras e faias ondulam fundo.

Salas povoadas de insectos prisioneiros.
Noção de pessoas perdidas em casa.
Alimentos ensacados no bojo de aviões.
Polícias sozinhos mirando montras gradeadas.

Homens doentes envoltos na mantilha da lua.
Fantasmas de raparigas de meio século.
Uma cancela quebrada segura a pedra.
Não batem os corpos o gelo adormece.



2
A nossa vida será de outros.
Temos quando muito uma temperatura.
Desdizemos nosso mesmo corpo.
A cabeça do coração na garganta.




Caramulo, entardenoitecer de 2 de Junho de 2007

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Canzoada Assaltante