I. Dezanove Canções para Cantor sem Lagoa
Observa ainda um rio de um comboio.
Terás um pouco mais de ambos.
Pássaros no chão, homens em telhados:
um pouco mais, ainda.
Luz de domingo coalhada na lagoa.
Florilégios olímpicos, nem em sonhos já.
Um pouco de mundo ’inda fora da cabeça.
Famílias gradeadas em vivendas sem correio.
Pó branco de jactos no céu escrito.
Para ti, em baixo, outras pessoas.
Cães e peixes, papagaios e ananases.
Os teus olhos emoldurados de madeira.
Nenhum mistério primordial, humano.
Só tu sentado na terra cor-de-chá.
Uma parede cega ao sol azul.
E o bosque como um clarão óptico.
Homens de chapéu porcelanam de idade
o chão de pedra da cidade antiga.
Rulotes de farturas fritam a noite.
E cada manhã é louça e calabouço.
Passaritos de plástico cantam a pilhas,
anjos de pedra-de-sabão contam velas.
Velhas senhoras mais velhas filhas
hossanam igrejas e feiras tão belas.
Não. Estás sempre sozinho e puro.
Do rio vejas o comboio.
Do comboio rias o olhar.
Azul e cega, a solitária pureza.
Ouves falar as formigas pessoais.
Quatro pés de cama assentes no mar.
Um quarto caiado de carvão.
A janela lívida como uma dívida.
Crianças da guerra pintainham destroços.
Rostos sem nome em álbuns fotográficos.
Na tarde eterna do domingo acabado,
tu folheias o futuro anterior dos rostos.
Fomes e tifos, coudelarias e ciclones.
Alheias lembranças em teu coração unas.
O sexo passa a logaritmo de almanaque.
Tutana-te os ossos um caldo de vidro.
Pedras de mel, fluviais magnólias,
maçãs devoradas por corvos tantos
quantos os quintais de corvos, maçãs e
magnos rios em mel de pedras.
Sim, por vezes também choves a nascente:
de que gente provirias se não choveras?
Igual iguaria de bocas e dentes,
face símile serás ao que comeras.
Sim. É domingo. Lágrimas de cebola
exsudam o caldo de carne do tempo.
Silenciosos combóiam militares e enfermeiras,
rumo ao porvir final de ontem.
Ainda vigora a substância amniota
de teu mais sentenciado corso: viver.
Encarnado, cabeçudo, roxo, primeiro:
vives um ainda, um pouco mais.
Mais pouco. Viver creditando a vida,
homens de chapéu no chão de pedra,
farturas rechinando avós precoces,
folclores honrando industriais locais.
É sempre o tempo, nunca o dia, sempre.
As tuas mãos com os meus dedos.
Rebanhos sulcados por caligráfica faca,
pastores vestidos de tinta-da-china.
Um pouco da cabeça ’inda fora do mundo.
Absortos museus de mortos eus.
Os verões nus em pregas de luz.
Léu rio ao céu, comboio a fundo.
Vinho do porto em amantes lábios,
sábado à noite, fora daqui.
Cálices doces, impuros e sábios,
nem um é tinido por ela ou por ti.
Escreves muitas canções não brancas.
Ainda é pouco mais não cantar.
Domingo. Sossegam os jactos.
A lagoa tremula, depois escuta.
II. Não Tem Dei, You Are the One
Fazer de velho sem fingir novidade
equivale a translúcido diagonal de bosque.
Ou os que não vivem saudades dos que
noviciam velhos tão novos de idade.
Nem perna nem braço nem olho nem manto
recobrem e cobram preço unitário.
Cada rês tem por si o uno trio calvário,
vinagre e fel, meio cada quanto.
Nunc’amas, não sabes, não sabes, não vês:
mestras são as traves, uma-2-três.
D’idade não vem só sabedoria,
que noite se faz dia, de noite e de dia.
Nada temos nós de nós, tudo é nosso.
(Cãozito lindito, rói, dog, o teu osso.)
III. Não, Nem
Não conta nem da alegria nem de mais alegria
o sossego que só a impotência dá.
É um sossego o comércio que houve no que há.
Gentes se fazem aos mares impessoais.
A docas chegam vacinóides.
Dão cartitas de si humanóides.
Depois transitam portugais.
Flash jack putas e pots.
Nada a ver Serra da Estrela.
Nada é vê-la como bela.
Não conta nem de alegria nem.
Textos:
Caramulo,
tarde e entardenoitecer de domingo,
10 de Junho de 2007
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