24/04/2021

PARNADA IDEMUNO - 287 a 289


287

Crianças assustadas, permeáveis a descompensações adultas.
Sabemos demasiado pouco de como resistem & r-existem.
A simplicidade parece ser assaz difícil, francamente.
Pedro Nuno, José Paulo, João Dezoito, Victor Salgado:
concertaram-se em quarteto-pop-rock, divertiram-se.
À face dos sessenta anos de idade, não vivem da música.
Pedro é protésico-dentário. José é mediador-de-seguros.
João é recipiente do rendimento-social-de-inserção.
Victor é senhorio de dois prédios urbanos com loja-rés-de-chão.
Não serão já crianças em pânico, se calhar mal o foram.

Digo: Antes querer do que crer. E até: Antes não-querer do que descrer.
Mostrai-me algo que hajais feito – deveras feito, deveras Vós.
Revisitemo-nos em frente, forward como dizem os aparelhos estranjos.
Cada pessoa com a matemática & a bondade que lhe sejam peculiares.
Escrevi matemática significando-a mesma mesmo - & bondade também, mesmo/a.
Ao telefone, não é tão acessível. Por carta-epístola, um pouco mais.
Luiz Seixas, Mário Cruzeiro, Helder Pacheco, Ângelo Forte:
concertaram-se em quarteto-de-cordas, depressa desconsertaram o grémio.
Estão mortos os quatro, tornaram-se irremediáveis:
Luiz em Campolide, Mário em Alenquer, Helder no Funchal, Ângelo em Rilhafoles.

Fui com António F. & João B., ao Parque de Santa Cruz.
Havia concerto rico naquela tarde de primícias de Julho.
O João fumou uma ganza, o António & eu bebemos absinto.
Quase nada recordo da música, é pena, ou talvez não.
O João já morreu, foi morrer longe, Glasgow é longe.
Depois daquela tarde na Sereia, fui a Peniche.
O António foi alhures, por lá tem ficado & estado, ao que sei.
Fui depois viver no Caramulo, onde escrevi este dístico:
O amor é cego.
A memória é o cão do cego.

Não fiquei lá muito tempo: nem no amor, nem no Caramulo.
Também já não era criança, era só mais-um-menos-um-resto-zero.
Conta o que durar alguma coisa: durar de duração & dureza.
Às vezes, o dourado brilha no ar pardo, reverbera a compreensão.
Até crianças felizes existem por vezes - & à vez.
Céu de Maio, sonoplasta, foi feliz na Amadora (ex-Porcalhota).
Virgínia Sameiro, nutricionista, foi feliz em Abrantes.
Doroteia de Lemos, acompanhant’escort, nunca foi feliz em lad’algum.
Amália Rodrigues foi maravilhosa – se feliz também, não sei.
Não se nasce sozinho, a mãe é lá precisa – morrer é outra história.

Veloz é a vida; lenta é a existência.
Se vísseis como adormeço, rir-Vos-íeis talvez.
À falta de materna placenta, imirjo em flanelas.
De pronto me iludo uterin’astronauta de novo.
Traspassa-me a transparência etérea total.
Navego as mais diáfanas trevas.
É um bosque sem papão.
O homem-do-saco morreu.
À mulher-dos-gatos saiu a lotaria.
Ride-Vos – mas assim me é, em teatro perto só de mim.

Través a pantalha figurada, figuradora & figurante da mente?
Ui!, quinhendras-milheiras nomeações: começa por Camões,
estendendo-se a Ariosto, Bocaccio, Dante, Eça, Filinto,
Gabo, Herculano, Italo, Joyce, Kafka,
Lorca, Marcel, Nerval, Osório, Pessoa,
Quental, Rodoreda, Sófocles, Tolstoi, Urbano-não-por-favor,
Woolf, Virgílio, Xenofonte, Yourcenar, Zé Daniel
(que é meu Irmão & também escreve).
Depois de Bach, escutei Pop Dell’Arte.
Crianças cerce envelhecidas, há-as sim por tod’ a parte.

288

    Augusto Gonçalves tinha um carro cor-de-laranja.
    Ernesto Lucas tinha um carro branco.
    Augusto Abreu saiu de cá, foi para a estranja.
    Dizem que o Maugham gaguejava & era manco.
    Dos nomes constantes das quatro primeiras linhas deste texto, só o terceiro é de pessoa viva ainda. Infelizmente, não assim os outros. O escritor inglês morreu velho – mas o primeiro Augusto & o Ernesto, cedo de mais. Dos quatro nomeados, só o britânico deixou livros. É uma figura-de-papel, por assim dizer. Os outros três, não: com todos troquei a mais pessoal conversação. Saúdo o quarteto, mas é dos do primo dístico que saudade hei.

289

Parece que as almas nascidas à luz-d’azeite,
agnósticas embora em praxis a vida toda,
temem no fim ao Diabo (q’ele se bem fôda!)
& pedem a Deus o cerúleo eterno deleite.

É propaganda.
É procissão do Santo-Te-Fôdas a passar com banda.

Requiescat-in-Pace, Guerra Junqueiro,
que bem os fodeste a todos por inteiro.
Descansa também, velho T. de Pascoaes:
que se lixe a Brotéria, já não sofres mais.

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Canzoada Assaltante