21/04/2021

PARNADA IDEMUNO - 281 a 283

© HBO, Welcome to Utmark


281

Terça-feira,
20 de Abril de 2021

    Lôgo-ameno & lôgo-horrendo – só do factor-humano vêm a amenidade & o horror. O lôgo/lugar é em si indiferente à condição antropóide. Cria o humano o deleite & o deletério. Tudo isto está muito bem posto em As Pastagens do Céu, que Steinbeck compôs há muitos anos. Por conseguinte, não estou nem a inventar a roda nem a descobrir a pólvora – ou vice-versa, já nem sei.
    O que sei – é (d)a necessidade de fazer alguma coisa que, pelo menos, dê a ilusão de alguma durabilidade. Há quem se congregue com demais pessoas para concretizar tal. Há quem se meta sozinho a esse barulho. Sou destes últimos.

282

    Na entrada 258, referi-Vos determinada obra de José Joaquim Nunes. Volto a ela para copiar esta curiosidade:

    “O animal a que geralmente chamamos raposa, afora esta designação, tem, como se sabe, a de zorra e já teve a de golpelha, que corresponde à de vulpecula, que os Romanos lhe davam ; (…)”

283

Conversei hoje com alguém do meu sangue, amenamente isso foi.
Ia arrefecendo um pouco o entardenoitecer, refrigerante vento nos dava.
Em torno, uma família de gatos tomava a derradeira luz.
Perto, o senhor da leira prestava culto a sua horta nascente.

Quando de novo me vi a sós com meu nariz mesmo,
retomei a peregrinação verbal que há décadas me salva de mim.
Recordei eidos & quinteiros há muito improváveis.
A rádio falava da música nos filmes de Hitchcock.

Reordenei mantimentos frescos, planeei algum amanhã.
Papéis (não muitos) pedem-me arranjos sensatos, que aliás posso.
Entreteve-me ir sabendo de gente de um lugarejo filmado.
Alguma dela saiu-se bem – mas mui minoritariamente.

Rebanho de ovelhas tasquinhando o verde possível em encosta.
É ali duro o inverno, há que aprovisionar forragem forte.
Deixei-me adentrar pela noite, não me recolhi tarde.
Tenho a luz-cabeceira esclarecendo-me estas linhas.

Em sítios hostis à literatura-de-bons-sentimentos, vive-se também.
Ou existe-se: a crédito uns tantos, a prazo todos.
Mora-se por moratória, demora-se quanto se pode.
Não foi sobre isto que conversei hoje com alguém meu consanguíneo.

Mas de certa maneira até foi.


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Canzoada Assaltante