© Cassius Marcellus Coolidge
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Falam na rádio de Kubrick, Bergman, Haydn, Schumann.
Imagino os quatro jogando as cartas em bufete de recreativ’associação.
Quatro Obras deixaram do mais supino acúmen.
Reclinado em fofa almofada, vou prestando atenção.
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Danbrunsson, em pavilhão de abeto sitiado pela neve januária, lê seu Dickens, seu Scott, seu James, seu Balzac. Arde em pré-pousio a rosa de lenha escolhida ontem pelo sempre prestimoso Olaf. Em ferro de tripé, a negra panela coze o presigo. Hortelã há-de boiar perfumando a cocção. Deixemo-lo assim. Outros cenários nos atendem.
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Gustavo, filho de Frederico & Justina, é fiel-de-armazém desde & para sempre. No seu tempo privado, urde catálogos de multiforme assunto. Em um deles, a Cronologia prepondera. Eis uma entrada:
Virginia Woolf nasceu em 1882 (25 de Janeiro).
James Joyce nasceu em 1882 (2 de Fevereiro).
Virginia antecede James oito dias.
Virginia Woolf morreu (matou-se) em 1941 (28 de Março).
James Joyce morreu em 1941 (13 de Janeiro).
Os óbitos são separados por 74 dias.
Virginia viveu 59 anos, 2 meses & 3 dias.
James viveu 58 anos, 11 meses & 11 dias.
Total de dias de VW: 21611.
Total de dias de JJ: 21529.
Virginia viveu mais 82 (8+74) dias do que James.
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Túlio Ferdinando Sacramento Landes é duplo-viúvo: de Marguerite, natural de Toulon, extinta aos 38 por razão de acidente rodoviário; e de Selma, natural de Idanha-a-Velha, que de leucemia feneceu aos 36. Das duas finadas, o doutor Túlio tem dois rapazes (de Marguerite) & uma menina, olhos-do-rosto de Selma. Duas vezes a insensatez da tragédia fulminou o bom clínico. Todavia dotado de um cabedal psíquico assaz robusto, sobrevive em prol de sua prole tripla. A decídua natura do Tempo ainda o não vergou a chão algum. Está a seis meses da reforma. Ainda não meteu os papéis, na conspícua mas inconfessada esperança de lhe pedirem um biénio de prática mais. Em Setembro saberemos – eu, meu irmão & nossa manita, que Selma é também: menina & menina-dos-olhos de sua mãe.
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É desta vez a asa esquerda a doer-me.
Digo: o braço, ali onde se engrena ao ombro.
Não sei se também o cálcio se oxida, se calhar sim.
Faz-me defeito, é desse braço a mão do cigarro.
De resto, tudo por assim dizer bem, tenho o que jantar.
Favas aporcalhadas com ovo escalfado & pastéis-de-toucinho.
Doce-de-bolacha, broa-de-milho, tinto-maduro.
A minha poesia não será, não hoje, literalmente famélica.
Só a asa esquerda me turva o instante, é aguda algia.
Não voltarei a tarzan-de-quintal, decerto não, não mais.
Tinem já na cozinha o talher & a louça prandiais.
Amarfanha a boca sua presa nutritiva, e bem voraz o faz.
Favas sempre foram ricas ’qui’ p’r’ò rapaz:
e enxugada a broa, a pratada quer outra mais.
Abademente digerindo eu já minhas vitualhas,
concordo seja tua a terra, se à mesma trabalhas.
Nem o sinistro braço me dói tanto, de pança cheia.
(Valha a verdade da poesia, embora resulte feia.)
Permito-me ainda café em vez de cevada:
o sono sempre virá, ’inda que por a alta-madrugada.
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