09/04/2021

PARNADA IDEMUNO - 217 a 219


217


Quinta-feira,
8 de Abril de 2021

    João Paulo Jonas Gala esteve estabelecido, aqui perto, no ramo armazenista de secos & molhados. A mulher dele mantinha tasca-petisqueira duzentos metros a montante. Essa Felisbela fritava muito & muito bem peixe, tanto do mar como do rio. João Paulo vinha almoçar à mulher. Trazia-lhe os precisos que ela telefonasse a pedir. Bacalhau do melhor, presunto, tremoços, azeitonas, garrafões – tesouros de Portugal, enfim. Casamento feliz & belo, o de Felisbela com João P.J.G.

218

    Não estraguei Tempo, não hoje. Li Soldati, Guareshi, Valéry & Proust. Não muito – ou não de mais. Fui descansar a vista à marquise. Abri frecha (as vidraças são corrediças em calha) – e então, velho fumador velho que sou, tomei profundo hausto de ar refrescado pelo entardenoitecer. Já as aves livres se tinham recolhido a seus misteriosos tugúrios. Não levaram fome, que as alimentei fartamente a arroz & pão – pombas, pardais, arvéolas, melros, rôlas, poupas, piscos. Agrada-me ter de fazer sopa nova. Tratar dos legumes entretém-me por si, invariavelmente, a de si variável mente.
    Vou cuidando-me pensando sem pressa nem ânsia, sem ilusão nem fé, sem prostíbulo nem disneylândia. É a parte menos má de envelhecer. Já não toco em salões-de-baile, já não aturo má literatura, já não me importo de comer & beber sozinho o meu pão & o meu vinho.
    E não faço, como o acima-exposto bem o demonstra, de mim assunto.

219

Há mais de um ano que é domingo todos os dias
Domingo, dia de pensar nos mortos
Os mortos, esses adormecidos que sem retorno amamos
Mas não acordamos.


2 comentários:

cid simoes disse...

São estes textos que aqui me trazem diariamente.

Daniel Abrunheiro disse...

É gratificante ter alguém do outro lado. Refiro-me a esta vida, claro, não ao "outro lado" dos espiritistas. Muito gratificante.

Canzoada Assaltante