O
cavalo pitagórico
Um cavalo de Santana Lopes caiu a um poço
numa quinta de Santana Lopes também. Foi foto-legenda em jornal. O desenlace da
ocorrência é feliz: os bombeiros resgataram-no vivo da aflição com o
voluntário, voluntarioso, estóico, abnegado e glorioso esforço do costume.
Tenho porém um problema. Este: não era nem sobre cavalos nem sobre o, por
piada, ex-secretário de Estado da Cultura, e ex-primeiro-ministro, e
ex-presidente do Sporting, e ex-presidente dos municípios figueirense e
lisbonense, e ex-tudo o mais (ou menos) alguma coisa que eu queria cronicar.
O que me apetecia perorar sobre – era isto:
a santíssima trindade matemático-geométrico-topológica que consiste na
naturalmente tríplice nomenclatura Pitágoras-Newton-Gauss. Mas percebo eu alguma
coisa do assunto? Nadinha-nicles. É por isso, todavia, que cronico: como nada
sei de jeito de seja o que for, faço como o Nuno Rogeiro. Ou como o Professor
Marcelo, esse carismático e canastrão olho-arregalado tão leitor de capas de
livros.
Modos que tenho já duas trindades em
boxístico empate técnico: ao canto esquerdo, de calção branco,
Pitágoras-Newton-Gauss; ao direito, de calção (ou camisa) castanho(a),
Santana-Rogeiro-Marcelo. Sobra-me o cavalo.
(Na rua, entretanto, assisto a esta dúplice
epifania: no passeio de lá, de calção branco, duas educadoras, uma à frente,
outro ao cabo oposto, pastoreiam mimosamente, bucolica’infantilmente, um
rebanhinho de humanos pintainh’ovelhas de bibe-creche; no de cá, uma guia
turística apascenta um rancho de periclitantes idosos em demanda da memória
(v)ida través as maravilhas patrimoniais locais. Já volto ao assunto.)
O cavalo de Santana Lopes está vivo. Não se
afogou e “anda por aí”. Bem. O
teorema pitagórico, porém, só pode ser aplicado à superfície lisa, posto que a
natural esfericidade planetária implica que a soma interna dos ângulos do
triângulo-rectângulo nega a linear soma de 180 graus que tanta rotineira
alegria nos dava. Gauss curvou a coisa, enquanto Newton via cair a maçã.
O problema é que me continua sobejando o
cavalo de Santana. Safo-me pelo lado do ribateja’nobel Saramago, que postulou
esta brilhante evidência: “Tudo no mundo
está dando respostas. O que demora, é o tempo das perguntas.”
Assim me safo: em plano, as linhas
paralelas nunca se encontram, à imagem de Portugal consigo mesmo; mas em
redondo, as paralelas, tal como os relógios parados acertam sempre na hora duas
vezes ao dia, acabam sempre cruzando-se vezes duas também. Maravilha: acabo de
perceber as crianças num passeio e os idosos no outro. Encontrar-se-ão-emo-nos.
Percebi, finalmente percebi.
O que não percebo – é o cavalo de Santana.
E os outros dois também não.
E os outros dois também não.
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