© DA, Casais do Porto
(Louriçal), 6 de Maio de 2012
40.
O QUE HÁ, É
Leiria, quarta-feira, 2 de Novembro de 2011
A água dá no ar, o ar dá nas árvores, a
chuva e o vento conformam e justificam o novo novembro das nossas vidas. Vieram
mornos das camas, os seres. Acoitam-se em si mesmos, agora, à passagem pelas ruas
fustigadas. Luzes dos carros acesas em plena manhã. A manhã (1) como um cartão
húmido. Os gatos-apartamentos à janela, mirando a vida absurda e potente da
Natureza sem eles. A peremptória fadiga incansável das coisas.
Numa leitaria, senhora dentro de cubículo-quiosque
envidraçado: jornais, revistas, tabaco, porta-chaves, lotarias, lápis,
isqueiros, corta-unhas.
A água dá o ar, que as árvores dá. Muitos dos
que passam ante este olhar estiveram já no hospital, outros na prisão, outros
no estrangeiro – mas agora parecem livres (2) neste reformatório aberto: o
novembro-de-aqui-hoje (3).
(1) As manhãs sempre acabam; a noite, nem sempre.
(2) Parecem livros, também.
(3) Aqui, hoje, em Novembro: a força da demora;
os patos no Lis; a qualidade marsupial do amor entre duas pessoas-bolsas; sendo
o ser pertencer, pert’essência (ou pertinência) dele; roda-livre dos corpos
ratinhando migalhas: afeições, aflições; demanda non-stop do fraseado justo, do
poemário capaz de justapor ancestralidade e novidade; a tarde por todo o lado
da hora: como um país em torno de uma praça – ou um rio – ou uma árvore à
chuva, dando-lhe o vento.
*
Dão gargalhadas os patos à flor lamacenta
do Lis. Daria o cu e cinco tostões por lhes saber a anedota. Não sei. Sei que
são 15h49m. A tarde vai baça. Já choveu com força, de manhã. Prefiro isto ao
calorão anacrónico do Outubro transacto. Na margem esquerda, pombas cometem
estar vivas sem angústia. Tenho sido mais fechado. Sou o carcereiro e a torre,
ao tempo mesmo. Vou talvez amanhã a Pombal. Levo este caderno-livro, naturalmente:
que versos poderei receber nessa/dessa viagem breve? Gargalham, os malandros.
Riem-se talvez de escribas de beira-rio que lamacentamente intentam a limpidez.
*
(Troar de um jacto pelas nuvens baixas de
Leiria: como um comboio descomunal e altíssimo; às 15h55m.)
*
A morte torna anterior até o futuro.
*
Este é o meu trabalho, e esta, a minha
vida. Nem uma nem outro valem por aí além. É o que há. Mas o que é, há.
*
Ela tem um recado para entregar em boca ao
responsável pela agência (de qualquer coisa comercial) cuja sede diz letras
verdes perto da rotunda do estádio. Ela chama-se, quê?, Inês ou coisa assim.
Vestiu-se mais devagar para a ocasião, até porque a ocasião pode implicar que,
dado o recado, tenha de despir-se à pressa. Vai nervosa por via disso, mas sem
receio. A vida não é mesmo assim, mas assim mesmo se faz.
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