23/05/2012

Jorge


Jorge Manuel Leite dos Santos Abrunheiro
5 de Setembro de 1954 – 23 de Maio de 1986





JORGE, AS ROSAS PORÉM CRESCEM

Leiria, terça-feira, 15 de Novembro de 2011

Estás sentado ainda nessa pedra trabalhada pelo tempo.
É o futuro que olhas de frente, não o passado.
Desconheces, felizmente e ainda e para sempre, que
não há mais irremediável pretérito que o do porvir.

Trataste bem os sapatos, a roupa parece limpa como
uma planta depois da chuva, a boca comanda o rosto
a partir da mirada absorta e inocente,
tudo parece em ordem justa e boa composição.

Deste lado do espelho, estamos canhotos de sem ti.
Não mais dextra nos poderiam ser nem a vã vida
nem a devida vénia, essa gardénia própria
do ócio e do luto.

Exercemos, ante o redivivo bolor que, insidioso,
a teu nome e a tuas horas vem tomando
nos anos onomásticos e enlutados e ociosos,
uma cauta nudez cerimoniosa e dorida – ante ti.

Adicionámos-te ao silêncio insuportável mas suportado
de profanos que, impermeáveis a Deus, passam
a vida tementes ao Diabo e às repartições de finanças
e à outra letra D, que décadas e doenças partilham.

Perdoa: o nosso tempo não é sagrado, mas consagrado
apenas aos anjos ca(n)dentes dos filhos, aos tostões
da conta – como a vida – a prazo, aos rituais marítimos
que só os marinheiros apeados aterradamente conhecem.

Folha de árvore antes do regular Outono caída,
masculina andorinha na Primavera precoce da morte
confusa de perdida, não justo seria que nos não
perdoasses o obstinado vício de viver.

Perdoa devagar, aí sobre pedra sentado, o rosto bonito
adiantando a cabeça já clássica e intemporal já,
perdoa devagar, aí para onde vamos, uns com mais
pressa, outros mais lentos, todos porém por

e para ti,
que muito lugar sobra, à esquerda e à direita,
tal que todos finalmente sorriamos
a mesma imagem em
justa ordem e recomposição boa.

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Canzoada Assaltante