13/05/2012

Ligação à Medusa - 41 (integral)


41. QUANTAS VEZES

Leiria e Pombal, quinta-feira, 3 de Novembro de 2011

Rapariga pejada no banco da carreira. Vai do lado do sol. A luz dá-lhe na barriga. Muito jovem. Sardas na zona dos olhos. Chapéu-de-chuva grená ao lado.
Reformado arquetípico no banco da frente. Boné, claro. Camisa de flanela aos quadrados castanhos e brancos. Calças de bombazina leite-creme. Aparelho no ouvido com fugas lentas de cera.
A manhã acaba-se. Da trovoada com chuva ao sol nítido.
Naturalidade geral dos elementos, mesmo os construídos: laranjeiras, palheiros, lojas do gado, gado, salão de banquetes, uma carrinha com a inscrição Gabriel & Graciete, um cartaz afixado na face de uma capela dizendo Chamados à Caridade, uma velha-muito-velha esplanada num banquinho ao umbral dela, contentores pretos, verdes, encarnados, azuis e amarelos no pátio dianteiro dos Plásticos Motassis, uma estufa-viveiro, empena em hemiciclo de uma vivenda de rés-primeiro-andar, uma palmeira parecida com aquele boneco dos Simpsons que é criminoso, o Sideshow Bob, couves pernaltas e patrióticas numa horta breve, a luz atribuindo soluções construtivas a tudo que, recebendo-a, a vê, um sítio chamado Casal dos Ovos e outro de nome Águas Férreas, pinhais como paradas militares, casas e mais casas fechadas da emigração, vulcanização de pneus e de vidas, o céu enegrecendo a norte deste caderno-livro.
Nisto, chegada a Pombal.

*

Tudo é próximo: a escola a que agora vou da óptica a que vou a seguir: a vida e a morte, também; a casa mortuária é próxima da porta, hoje fechada, além da qual Virgínia & Cristina assavam tão bem frangos.
Só a manhã é tão longe da noite; vale que a tarde é dentro da noite, quantas vezes.

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Canzoada Assaltante