© DA, 16 de Dezembro
de 2011
60.TOPOS
PARA O RELENTO
Leiria, segunda-feira, 5 de Dezembro de
2011
De vez em quando
durmo ao relento. É mania minha já antiga. No Verão, parece mais fácil e, até,
mais natural. No Inverno, o gesto é porém o mesmo. Faço-o porque preciso. É
como se treinasse para aquilo do sono-terminal-um-dia – mas em e ao vivo. Não
há morbidez nisto – trata-se tão-só de um prazer triste – ou de um
contentamento-em-tristura.
Quando a uma dessas
noites chega a hora, aparto-me naturalmente do povoado. Se conheço bem a área,
a situação é levada de cor. Se reconheço mal a periferia, nem por isso me
inquieto muito. Os meus apetrechos para esse sono propedêutico estão prontos,
aviados e ataviados: o meu corpo e um saco suplementar com roupa, conservas,
garrafa, caderno & lápis.
(Sei, enquanto
escrevo esta verdade, que algumas pessoas – não muitas, mas todavia algumas –
compreendem.)
Mais perto de um
rio, melhor. À face do mar, ideal. Em uma montanha (mas Portugal o mais que tem
não é senão serra, enfim), perfeito. A terra é boa. A terra é boa: e até os que
dormem sempre em casa lhe pertencem. Há a variável muito premente – chove ou
não chove? Se não chove, o idílio concretiza-se com o recurso a uma barreira
natural para corta-vento. Se chove, ele há sempre arquitecturas herméticas: uma
lapa diagonal, uma simples toca onde outrora o javali, onde antanho o urso,
onde de vez em quando ainda a raposa e/ou o coelho.
Adiro a esse lar
com o dote do saciado: um dia vivido aos ombros como um corvo empalhado, uma
fadiga que seria só metafísica se não usasse pulmões e pés, um costume de
encontrar versos por tudo quanto não lhes é impropício.
Fi-lo bastas vezes
este ano: e este foi (ainda é) o ano da morte da minha Mãe, algum teria de o
ser, este foi. Fi-lo tecnicamente muito bem: ninguém do povoado se apercebeu.
(Detenho o assunto
por agora. Acontece que o jornal do café da Rita acaba de ficar disponível,
pelo que vou aprender e apreender mais topónimos passíveis de ser visitados por
mim ao relento.)
*
BAIRRO DO BECO DO
NORTE (Alhandra), homem de 61 anos morto em incêndio doméstico: pessoa só, casa
térrea avançadamente degradada. (Amanhã saberei que se chamava Ângelo
Santiago.)
MOLELOS (Tondela),
assalto à farmácia rende milhar e meio de euros, ladrão solitário e armado
pira-se.
CARVALHOSA e MOURA
MORTA, terras das duas jovens que se auto-ravinaram por 30 metros na EN 321
(ligação Castro Daire-Cinfães).
BOA VISTA (Leiria),
ourives, que almoçava num restaurante, não se apercebeu de que a carrinha em
que transportava os artigos era assaltada à rebarbadora (100 mil euros, diz
ele, para o galheiro).
UL (Oliveira de
Azeméis), violador de 58 anos vitima enteada, de 21, com atraso mental e,
denunciado, ameaça a vítima e a mãe (45 anos) dela com morte de faca; já lhes
incendiou as capoeiras; e houve filho nascido (a 31 de Outubro) da violação, entretanto
retirado pela Comissão de Protecção de Crianças.
GIÃO (Vila do
Conde), homem de 28 anos agredido e roubado por dois meliantes ainda novos
junto ao Café Costa, na Rua Principal, ficando sem telemóvel e sem tabaco; GNR
logrou deter um dos sacanas.
MARINHAIS
(Santarém), ferido grave em colisão de dois ligeiros na EN 118.
CAPELO (Quarteira),
guarda-nocturno malogra furto de viatura por um solitário, que deu às de
Vila-Diogo quando topado.
SAMPAIO (Vila
Flor), rapaz de 23 anos ferido com gravidade em despiste pela madrugada de
domingo.
MOREIRA DA MAIA
(Maia), recepcionista do Hotel Puma resiste a assalto (mal) perpetrado por dois
gajos armados, ficando sem telemóvel mas tendo êxito no sair e alertar
trânsito.
CACIA (Aveiro),
assaltantes munidos de pé-de-cabra arrombaram porta do Bar7 e violaram a
máquina do tabaco, que foi reencontrada na Rua do Campo, em ANGEJA.
AVENIDA JOÃO
CRISÓSTOMO (Lisboa), “Homem-Aranha” cai de uma altura superior a 15 metros e
morre espatifado no chão, com uma lâmina de dez centímetros ao lado e a
incandescente frustração de não ter conseguido roubar o apartamento do quinto-(e
último)-andar do número 49.
MOINHOS DE PEPIM
(Penalva do Castelo), casal, com filho menor, desalojado em consequência da
destruição parcial, por incêndio, da habitação.
VIALONGA (Vila
Franca de Xira), José Sousa, comandante dos Bombeiros Voluntários locais, já
não é comandante por ter apresentado demissão, farto de divergências com a
direcção daquela Associação Humanitária relativas a sim/ou/não à prioridade de
transporte de doentes não urgentes.
CASTANHEIRO
(Figueira da Foz), homem de 84 anos é agora carvão, depois de queda à lareira
da casa onde vivia só; chamou-se Manuel Maria da Cruz: agora, que nome tem?
IGREJA DO COTO
(Caldas da Rainha), gamado o sino de bronze (mais de 100 quilos), em coerência
com homólogos casos da Região Oeste; da Comissão Fabriqueira local, José
Manique anda inquietado, calculando coisa de três mil euros para a reposição do
tlão-tlão.
CABO ESPICHEL
(Sesimbra), flores ao mar atiradas por familiares dos náufragos mortos e
desaparecidos do Bolama, tragédia marítima ocorrida há 20 anos.
CALÇADA DE CARRICHE
(Lisboa), dois feridos em colisão, um dos quais obrigou a operação de
desencarceramento.
IC 19 (sentido
Sintra-Lisboa), duas éguas tresmalhadas ficam feridas e muito assustadas, pelo
menos tanto como os condutores, que deram com elas sem que elas lhes dissessem
“égua vai”.
UNIVERSIDADE
CATÓLICA (Lisboa), Congresso “Global Addiction 2011” apresenta e aprecia dados
que apontam Portugal como o quarto maior bebedor de vinho (42 litros por ano e
cabeça), para além de (apenas, carago!) 23.º em cervejola (58,7 l) e só 31.º
nas espirituosas (1,4 l), foda-se. (Mas dizem-nos oitavos mundialmente: 9,6
litros de álcool puro / ano.)
*
– Penso muito no mar
– disse Nando
“Cherne”, um dos seis pescadores de Caxinas resgatados com vida.
– Também eu
– digo eu.
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