26/05/2012

Ligação à Medusa - 60 (integral)


© DA, 16 de Dezembro de 2011



60.TOPOS PARA O RELENTO

Leiria, segunda-feira, 5 de Dezembro de 2011

De vez em quando durmo ao relento. É mania minha já antiga. No Verão, parece mais fácil e, até, mais natural. No Inverno, o gesto é porém o mesmo. Faço-o porque preciso. É como se treinasse para aquilo do sono-terminal-um-dia – mas em e ao vivo. Não há morbidez nisto – trata-se tão-só de um prazer triste – ou de um contentamento-em-tristura.
Quando a uma dessas noites chega a hora, aparto-me naturalmente do povoado. Se conheço bem a área, a situação é levada de cor. Se reconheço mal a periferia, nem por isso me inquieto muito. Os meus apetrechos para esse sono propedêutico estão prontos, aviados e ataviados: o meu corpo e um saco suplementar com roupa, conservas, garrafa, caderno & lápis.
(Sei, enquanto escrevo esta verdade, que algumas pessoas – não muitas, mas todavia algumas – compreendem.)
Mais perto de um rio, melhor. À face do mar, ideal. Em uma montanha (mas Portugal o mais que tem não é senão serra, enfim), perfeito. A terra é boa. A terra é boa: e até os que dormem sempre em casa lhe pertencem. Há a variável muito premente – chove ou não chove? Se não chove, o idílio concretiza-se com o recurso a uma barreira natural para corta-vento. Se chove, ele há sempre arquitecturas herméticas: uma lapa diagonal, uma simples toca onde outrora o javali, onde antanho o urso, onde de vez em quando ainda a raposa e/ou o coelho.
Adiro a esse lar com o dote do saciado: um dia vivido aos ombros como um corvo empalhado, uma fadiga que seria só metafísica se não usasse pulmões e pés, um costume de encontrar versos por tudo quanto não lhes é impropício.
Fi-lo bastas vezes este ano: e este foi (ainda é) o ano da morte da minha Mãe, algum teria de o ser, este foi. Fi-lo tecnicamente muito bem: ninguém do povoado se apercebeu.
(Detenho o assunto por agora. Acontece que o jornal do café da Rita acaba de ficar disponível, pelo que vou aprender e apreender mais topónimos passíveis de ser visitados por mim ao relento.)

*

BAIRRO DO BECO DO NORTE (Alhandra), homem de 61 anos morto em incêndio doméstico: pessoa só, casa térrea avançadamente degradada. (Amanhã saberei que se chamava Ângelo Santiago.)
MOLELOS (Tondela), assalto à farmácia rende milhar e meio de euros, ladrão solitário e armado pira-se.
CARVALHOSA e MOURA MORTA, terras das duas jovens que se auto-ravinaram por 30 metros na EN 321 (ligação Castro Daire-Cinfães).
BOA VISTA (Leiria), ourives, que almoçava num restaurante, não se apercebeu de que a carrinha em que transportava os artigos era assaltada à rebarbadora (100 mil euros, diz ele, para o galheiro).
UL (Oliveira de Azeméis), violador de 58 anos vitima enteada, de 21, com atraso mental e, denunciado, ameaça a vítima e a mãe (45 anos) dela com morte de faca; já lhes incendiou as capoeiras; e houve filho nascido (a 31 de Outubro) da violação, entretanto retirado pela Comissão de Protecção de Crianças.
GIÃO (Vila do Conde), homem de 28 anos agredido e roubado por dois meliantes ainda novos junto ao Café Costa, na Rua Principal, ficando sem telemóvel e sem tabaco; GNR logrou deter um dos sacanas.
MARINHAIS (Santarém), ferido grave em colisão de dois ligeiros na EN 118.
CAPELO (Quarteira), guarda-nocturno malogra furto de viatura por um solitário, que deu às de Vila-Diogo quando topado.
SAMPAIO (Vila Flor), rapaz de 23 anos ferido com gravidade em despiste pela madrugada de domingo.
MOREIRA DA MAIA (Maia), recepcionista do Hotel Puma resiste a assalto (mal) perpetrado por dois gajos armados, ficando sem telemóvel mas tendo êxito no sair e alertar trânsito.
CACIA (Aveiro), assaltantes munidos de pé-de-cabra arrombaram porta do Bar7 e violaram a máquina do tabaco, que foi reencontrada na Rua do Campo, em ANGEJA.
AVENIDA JOÃO CRISÓSTOMO (Lisboa), “Homem-Aranha” cai de uma altura superior a 15 metros e morre espatifado no chão, com uma lâmina de dez centímetros ao lado e a incandescente frustração de não ter conseguido roubar o apartamento do quinto-(e último)-andar do número 49.
MOINHOS DE PEPIM (Penalva do Castelo), casal, com filho menor, desalojado em consequência da destruição parcial, por incêndio, da habitação.
VIALONGA (Vila Franca de Xira), José Sousa, comandante dos Bombeiros Voluntários locais, já não é comandante por ter apresentado demissão, farto de divergências com a direcção daquela Associação Humanitária relativas a sim/ou/não à prioridade de transporte de doentes não urgentes.
CASTANHEIRO (Figueira da Foz), homem de 84 anos é agora carvão, depois de queda à lareira da casa onde vivia só; chamou-se Manuel Maria da Cruz: agora, que nome tem?
IGREJA DO COTO (Caldas da Rainha), gamado o sino de bronze (mais de 100 quilos), em coerência com homólogos casos da Região Oeste; da Comissão Fabriqueira local, José Manique anda inquietado, calculando coisa de três mil euros para a reposição do tlão-tlão.
CABO ESPICHEL (Sesimbra), flores ao mar atiradas por familiares dos náufragos mortos e desaparecidos do Bolama, tragédia marítima ocorrida há 20 anos.
CALÇADA DE CARRICHE (Lisboa), dois feridos em colisão, um dos quais obrigou a operação de desencarceramento.
IC 19 (sentido Sintra-Lisboa), duas éguas tresmalhadas ficam feridas e muito assustadas, pelo menos tanto como os condutores, que deram com elas sem que elas lhes dissessem “égua vai”.
UNIVERSIDADE CATÓLICA (Lisboa), Congresso “Global Addiction 2011” apresenta e aprecia dados que apontam Portugal como o quarto maior bebedor de vinho (42 litros por ano e cabeça), para além de (apenas, carago!) 23.º em cervejola (58,7 l) e só 31.º nas espirituosas (1,4 l), foda-se. (Mas dizem-nos oitavos mundialmente: 9,6 litros de álcool puro / ano.)

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– Penso muito no mar

– disse Nando “Cherne”, um dos seis pescadores de Caxinas resgatados com vida.

– Também eu

– digo eu.

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Canzoada Assaltante