6. PARDAL DA FALA
Coimbra, segunda-feira, 28 de Março de 2011
Perdoa-me / doa-me o perdão
de ter esbanjado o coração
por esses pátios-mulheres
tão desabrigados nos anos
por ti volvidos e perdidos.
Isto é um poema de amor,
isto é um homem a dizê-lo:
e gardénias e montras de figurinos
e desenlaces-laços e destinos,
querida – isto é como a vida.
Doa-me, tal que me não doa,
o perdão: uma pessoa, sabes, erra,
um homem é um bicho da terra:
Sacavém, Abrantes, Amarante, Lisboa
– etc. O amor não existe,
refaz-se. Em tardes como hoje pluviais,
digo-te eu ainda um pouco mais:
uma latita de pasta de atum, uma broa
(Sacavém, Abrantes, Amarante, Lisboa),
perdoa-me, que me não doa o coração.
Do resto falamos quando a segunda metade de um
chegar finalmente a casa, a
que agora volto pela primeira vez.
*
Um dia de chuva por toda a Coimbra destes dias. As pessoas entarameladas de humidade como pardais da fala. Eu ante este fogão frio, finando-se com vagar este Março. Este Março (dia 3) da morte da minha Mãe. As horas fechadas como punhos: taquicardíacas, por assim dizer. Faço por pensar em prosa – mas é que a rosa me toma, licorosa : e então a craniana bola iço ao aço da chuva, que miro em guardado silêncio-imo. Olho a ganga dos cus das mulheres (elas fazem-nos o mesmo: é lirismo), emborco o teor do meu cálice, vou-aqui-vou-ali – e nem do sítio mental saio, que a vida não está nem para excursões nem para amendoeiras em flor.
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