HISSOPE
Coimbra, segunda-feira, 9 de Maio de 2011
(Sonho:)
um homem de casaco verde-escuro de costas para o meu olhar de cerrados olhos; no adro de uma catedral belíssima; consigo perceber em que pensa, mas não logro verbalizar essa corrente íntima (acontece-me muito isto, mesmo quando não sonho, mesmo); sei que ele fez da vida mesma uma topografia;
(Sonho em tinta-dentro:)
o homem esparge sementes com o hissope da mão direita; ele é de bela cabeça romana, bons ombros práticos, pernas que desfiaram já muitas estradas mas nenhum caminho; as aves da catedral bosquejam a dádiva sementeira, seminal; é um quadro como fixado por cera a uma plaqueta de vidro: o meu sonho é laboratorial;
(O meu sonho é tinteiro:)
estou só, tão só como ele, mais só do que ele; no sonho, sei que sonho do lado de cá, onde estou de torso nu em celibatário catre; nem eu nem ele estamos para já infelizes de todo, não ’inda; escrevo-o porque ele não pudera fazer o mesmo: este o duplo retrato adormecido, a insone tinta
(verde).
*
(Desperto porque o corpo é mesencéfalo de todo – e não perdoa a quase-felicidade que poderia resultar de uma eternidade de homens de verde ante pombas e catedrais e sementes e bosquejos.)
*
Esta mulher de olhos sombreados a azul, casaco encarnado como um grito de marca, sandálias de erotólogas tiras de couro verdadeiro – esta emanação do húmus mais carnívoro, este par de mamas derivado do estudo da porcelana chinesa: chávenas mamilares, meãs, a que, duplo, aflora o bago de arroz da seiva pró-maternal. Sinto-a no caderno sem predação no (meu) corpo: mais e mais resulto (ou derivo para) farol que, intermitente, logra esclarecer lapsos de navegações e de naufrágios.
Que massa de nervos, esta mulher?
Que baú de pistas, esta senhora?
Que crina a que ventos, este ser?
Que menina, este animal?
*
Não vou engordar porcos porque não tenho porcos para isso, só versos: e para porcarias, são quanto me basta para cevar.
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