Um dia destes, serei todo de sal, o que restar em mim de água se fará terra. Prepara-te para isso como puderes e entenderes. Gatos recordados lambem-me o coração-cão. Este é o meu poder, a minha força: sou uma pessoa acordada na voragem, na revoada, na imagem, na vertigem, na salsugem. Vou espargindo os bons-dias pelos anoitecimentos individuais. Guardo em mim os colos visitados sob rostos graves, brancos. Nada impede que a minha boca possa ser verde quando e quanto quiser – e às vezes ela quer. Certas noitinhas de Verão, a uma varanda gentil, partilhei o pão e o caldo ganhos no dia sem excessiva violência. Esquadras desarmadas singravam os arruamentos. Eu não podia nem ter nem ser de todas as mulheres, mas tentava. De todos os amigos, também. Hoje, sei mais o menos que a vida pode dar. Sabes, quando se descobre que ela é diferida de quem a pensa, a age, a escreve, a lê. Ou quando o touro erótico fumega nas narinas do solitário sem recursos nem agenda telefónica. Vi dois homens de carnação muito clara. Eram-se falantes. Escutei-os sem idioma – isto é: em pura música. O mais moço dos dois vestia-se muito bem: o fato semelhava dele o prolongamento botânico da pele. O menos moço cheirava a tabaco-almíscar – ou a cedro, não sei dizer bem. Agora, cresço em tinta roxa. Andei pelo relvado, deixei a minha quota de pão duro às toutinegras. Não me abjuro, nunca o fiz, fá-lo-ei nunca. Se a madrugada der livor, livro (livre) serei. Não guardes de mim rancor, ó tu anterior. Era toda a gente para ter sido feliz amanhã – e ontem é a condição mais fiscal da condição mesma da idade adulta. Acontece sermos também brônquios, vísceras também – não apenas redondilhas doces ao balcão do luar. Não apenas, vá lá, cópulas matraquilheiras. Não apenas lodo. Não apenas cobridores nem parideiras, vá lá. Sangravam os arruamentos. Liam-me esta página mesma. Recordo gatos rondando a minha orfandade tão precoce. Nutri cães e corações. Aprendi música encostando o rosto à janela, onde o vidro se fazia manhã perdível. Perdura-me, é tudo quanto peço se te escrevo. Serei todo sal, nasci e morro na língua de Portugal. Como o (b)ar que respiras. Divide-se mesmo, ó César-Kaiser, a Gália Transalpina em três partes, das que uma há-de por força ser belga? Estou quieto dentro do meu murmúrio marmóreo, querida. Memora o mar de mármore, má morte não, querida. Quando se deu isto (o mês passado) da minha Mãe, não posso dizer que não estava à espera, não posso. Posso afiançar a relojoaria sensata da poesia-afinal-sensata: arma última contra o homiziar do Tempo, esse brando filho-de-puta-nenhuma-e-matador-de-todas. Ama a última frase frontal. Cresce no desespero como um musgo renitente.
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