12/05/2011

Rosário Breve n.º 206 - in O RIBATEJO de 12 de Maio de 2011



As pombas

As duas principais actividades dos meus últimos seis anos têm sido (francamente, amigos/as) a) alimentar as pombas públicas e b) recolher do chão os despojos que os demais selvagens desalmados abandonam pelo chão a um metro do contentor mais próximo. São duas tarefas que, por outro lado, bem mais me expõem publicamente do que a escrita literária, a escrita cronística, a escrita diarística e a escrita assim-assim com que há tantos anos entretenho a melancolia de viver e pensar nisso. Mas também são as minhas mais relevantes e confessionais tarefas contributivas para a economia litoral-atlântica desta jangada entregue a piratas. São, são.
Daquilo do lixo, já vos tenho basto falado: o Governo etc.
Agora vou falar das pombas.
Reparastes já vós vera e pensativamente nas pombas?
Parecei-vos elas, ou não, polícias municipais? Sempre fardadas, sempre a comer do chão sem agradecer nada a ninguém, sempre a arrulhar autuações a mando do sôprezedentedacambra, não é? Mas bonitas, claro. Aquele pescoço de verde-bola-de-Natal, aquele chumbo que só plúmbeo pode ser chamado, aquele traquitar corridinho como um campino em domingo de praça-sol-e-sombra à chapa de sol-água-lezíria do Ribatejo, aquela coisa tão portuguesa delas e nossa de cagar com ácido os próprios pés até que o futuro seja manco como prometido.
Sim, as pombas: aquele ar delas, tão de confraria monástica dividida entre o garnizé dos últimos seis anos e o borracho das próximas seis quinzenas, aquele não sei quê ps-psd de candidatas a galarós molha-o-bico-que-a-capoeira-rende, estais vós a ver as minhas pombas?
Dou-lhes pão como se delas o recebesse. Tem sido a minha vida, estes últimos seis anos. Defeco acidamente nos meus pés.
E estou preparado, perfeitamente preparado, para começar a fazê-lo nos joelhos, na barriga – e no coração.
Porque só tomba quem for pomba.


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Canzoada Assaltante