01/03/2010

Um Pouco de Tudo Quase Nada (IV)

IV



Numa dimensão ideal, ele pode ficar uma época perto do lago. É pelo menos assim que adormece há uma data de anos. O irmão ajudou-o a erigir três faces de madeira grossa contra o rochedo. A cabana ficou sólida. O lume de dentro faz-se na reentrância da pedra, que tem ventilação por um veio oblíquo inacessível à chuva, se ela vier. Poucos utensílios, mas todos essenciais: a barra de sabão, a panela de ferro, a sertã, faca & garfo & colher, um alguidar, um prato inoxidável, um livro cujas novelas são exemplares e de Cervantes. Uma cana de pesca. Uma caixa de madeira meia de salitre, onde o embalsamado bacalhau e a faceira de porco e as lâminas de sardinha sobre cama de giesta para duas semanas, talvez até mais. Um saco de farinha, outro de feijão seco. Vinho. Um púcaro de folha. Fósforos, tabaco de enrolar, mortalhas de papel-de-arroz. Um frasco de cevada-café, ganho numa rifa de sábado à noite. Peixe com fartura no lago. Azeite e vinagre, muito alho, alguma pimenta, um saco de cebolas. Duas barras de chocolate amargo. Aguardente para a ferida de viver. Presunto fatiado e queijo da Ilha de S. Jorge para os primeiros dias, que breve se volvem derradeiros. Um caderno e um lápis para se algum verso ou assim. O bosque em torno, a estrada longe. Nenhuma recordação que não seja futura, por favor. E dinheiro no banco q.b. para não pensar no que não merece ser pensado nem pescado.

(Adenda da madrugada de 1 de Março de 2010)

Em Cadaqués ou Nerja ao mesmo Sol marinho, mas com outro corpo em outra vida num ano diverso. Nem que por uma inócua quinzena fosse. Manhã muito cedo no cais a apreciar o peixe fresco, as pirâmides de fruta, a pintura da hora em afresco, a brisa tocando de espuma os vestidos das senhoras e os quicos de palha com fita azul das crianças. Os barcos pintados como casas de madeira e com nomes de oragos ingénuos, as tabernas de madeira com búzios, ostras, mexilhões, presunto, queijos parecidos com jóias de gente pobre que junto ao mar sonha com lagos.

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Canzoada Assaltante