09/03/2010

Isto não É uma Macieira

© Sandra Bernardo - tarde de 8 Março de 2010



Souto, Casa, tarde de 9 de Março de 2010



“Ela lembrava-me as duas filhas mais velhas de Benedetto Croce, Elena e Alda, que no jardim da sua casa de campo, em Meana, no Piemonte, liam Heródoto no texto grego, sentadas debaixo duma macieira carregada de frutos.”



CURZIO MALAPARTE, in KAPUTT





De modo que também em Meana, no Piemonte, há macieiras e houve filhas. Talvez ainda haja macieiras, não sei. Pode que sejam só árvores de livro, aquelas com este partilhando a palavra folhas. Não tem já grande importância. Tê-la-á já tido, talvez, agora já não.
É difícil resistir ao crescente sentimento da desimportância das coisas. Após muitos dias de frio e chuva, porém, o fogão solar abriu hoje sua rosa descomunal. A luz, que é pintora, faz estes desenhos todos à nossa frente. As cores salvam. As gatas, claro, quiseram varanda, ao contrário das últimas jornadas, que hibernaram enroladas uma na outra e as duas no cesto das flanelas ante a lareira. Eu podia chamar Elena e Alda às minhas gatas. Faço-o neste escrito sem importância, nascido da epígrafe de Malaparte. Ó Elena, ó Alda! Não me ligam nenhuma nem alguma: estão no sofá da varanda, ao sol como esfinges, lindas de viver. Imunes à tragicomédia humana, toda ela e todas elas: Doisneau tranquilo fotografando o anonimato colectivo das ruas; Pastorius tão doente morto à porrada por uma besta qualquer; a oftalmologia de Joyce exilado na Suíça com sua Nora B.; por cá Nuno Bragança e a santa e reles ignorância a que é votado pelos panilas da “crítica” à la Bairro Alto; o Gheorghiu de A 25ª Hora ter ficado um bocado mal na fotografia a ponto do Gabriel Marcel mandar proibir a reedição do que ele Marcel escreveu dele Gheorghiu; a força duplamente luminotécnica e tenebrosa (treva e rosa) de Genet, Ionesco, Beckett, Crane, Pinter, Fitzgerald e Sófocles; o profissionalismo desesperado de Camilo; a sublime relojoaria de Henry James; e Malaparte do primeiro fascismo ao penúltimo comunismo, o chinês. Nada, portanto, de importante.
Não andei pelo Japão no dia 17 de Agosto de 1972, pelo que perdi o registo ao vivo dos Purple. Mas catorze anos depois ouvi Rosa, a cega da Rua Augusta, cantar à esmola. A vida compensa a vida. Também ela, depois de descoberta, andou em digressão como Gillan.
Fecho os olhos e vejo Espinosa polindo lentes; Steinbeck em viagem com o cão Charley; o Moravia e a Morante escondidos na montanha durante a Guerra; e o Sol de hoje enquanto as macieiras se preparam frutos.

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