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Pombal, entardenoitecer de 16 de Setembro de 2009
O vento do entardenoitecer torna a respiração uma questão, ou função, de maresia. O vento do entardenoitecer é um dos meus países provisórios favoritos. A vida espraia-se e solidariza-se: o ar móvel acomete os corpos de uma euforia mansa, fusão a que sou muito dado desde que pratico o meu sempre.
O vento do entardenoitecer traz-me sempre muito a pena de não vivermos todos tudo para sempre. Não sei se estais a perceber-me: o vento do entardenoitecer vem do lado da pena de viver.
Eu sei: o melhor é ser prático, fazer por viver em paz sem receber mensagens, deixar viver em paz sem reenviar mensagens, aceitar o instante sem pensar o instante, a hora, a exploração aurífera da manhã - e o vento do entardenoitecer.
O que vem no vento do entardenoitecer?
No vento do entardenoitecer vêm
Alguns mortos (não todos, os vivos só);
Linhas de casas traçadas por crianças (de qualquer idade: crianças e casas e os gestos que traçam);
Parar de máquinas cansadas como pessoas, como animais;
Fragmentos de inquéritos;
Asas secas;
Oportunidades esquecidas;
Sombras de relâmpagos, de ondas, de desejos, de azulejos;
Aspirações lentes;
O sabor do damasco;
O sabor da injúria;
Cartas urgentes de um século que deixou de o ser;
Gatos alheios;
Cacos de discursos gravados em mármore;
Farrapos menos antigos do que as pessoas que os perderam;
Prospectos de astrólogos, de lavandarias a seco, de actas relativas à vida quotidiana no Antigo Egipto, de facturas com refeições discriminadas por pratos que foram servidos e estações do ano em que foram tomadas.
1 comentário:
Sinto isso, quando a calma me consegue acalmar. Aí o vento do entardenoitecer quando impregnado de aromas que o olfacto consegue decifrar, evidencia memórias de acasos supostamente não vividos, mas efemeramente reconhecidos.
É mais ou menos isto...
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