© Robert Doisneau
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Domingo,
29 de Agosto de 2021
Conversei hoje com quem sabe falar & do que fala. Aconteceu pela finimanhã. Acampámos a vontade de beber café a uma mesa repetida de outros nossos encontros. Café tomado, foi só deixar as éguas irem beber ao rio: começámos a trocar parágrafos cheios de asteriscos-de-rodapé.
Alguns temas versados & conversados: a morte de Rui B. em particular & o teor obituário da vida em geral; Proust & Mann (um pouco de cada); ilha da Madeira: jornal, água-mineral & mar; Escola vs. Ensino: odiosa burocratização da actividade docente & remelosa adoração da maquinaria informática em detrimento do livro-livro, da leitura papel-vida. Como nós os dois juntos (excepto ele) mal perfazíamos cinco euros, foi só aquelas duas bicas que gastámos. Eu não fumei. Ele, que nunca fumou, elogiou-me a contenção antiviciosa. Eu elogiei, dele, a pujança viril, o olhar especioso, a maturação ponderada das recordações – e, sobre tudo o mais, o apetite de futuro que o demarca, quiçá em oposição diamétrica, do meu scroogismo existencial, por assim dizer.
Pagou ele os cafés, atitude que vem tomando desde que nos conhecemos. Daqui a três anos, portanto & se lá chegarmos, comemoro cinquenta anos de cafeína graciosa – e ele, outros tantos de caridade.
Num ápice, fez-se noite. Estou em casa. Olho da marquise alta, sinto na via o uivo azul da ambulância, poucas viaturas na noite dominical. Lembro-me de adir, aos citados Mann & Proust, referências que o meu Amigo fez também a Ruy Belo, Eça, Vilhena, Joyce. O único modo de conseguir pagar-lhe um café é (tem de ser) à traição. Nisto, é quase segunda-feira. Volveu-se solilóquio o que posso acrescentar a estas linhas. Todavia, à falta de mais reveladora expressão, sinto o dia ganho desde acabada a manhã. As éguas hão-de, sem pressa cada uma, vir ter a casa de cada um.
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