© DA.
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Sexta-feira,
27 de Agosto de 2021
Não ser uma criança anacrónica, mais (muito mais) senil do que virente. Não palmilhar a via-pouco-sacra da constante gratificação-imediata. Receber música sem próxima no apetite. Assimilar só o mínimo – porque a demasia dá mau troco.
Vou pensando isto no meu deserto populoso.
Primevas impressões continuam vibrando no velho.
Luta antiga: deixar que os mortos também durmam.
(Quero dizer isto bem: mas custa, não é dado nem fácil.)
Fragilidade, doçura, partilha, entendimento, leitura.
Não me faltam traves-mestras nem mestres seguros.
Faltam-me cinquenta anos mais, julgo, talvez julgue mal.
(Sim, julgo mal.)
734
Suspende-se a sós o momento sem fio narrativo:
aqui vive-se a conta-pingas quantas vezes?, muitas vezes.
É trabalhoso ser-se pensante enquanto vivo:
mais valera deixar-me por escrito no caderno que os chineses
me venderam baratucho, feito talvez por crianças
de olhos cansados que do Partido enchem as panças.
Tergiverso & desconverso, é o que dá o ócio contrariado. Fora, a solaridade torna fantasmático o orbe. O Sol parece uma lua cega. É pobrezinha, a nossa democracia – mas é uma democracia melhorzinha que a sionista-talibanesca-brasuca-etc. Isto de ser-se cívico não é rebuçado para toda a bocarra.
Na tarde descampada, erguido da sesta doentia,
o poeta misantropo só a si dá insatisfações.
Voga & vai imperialmente de Pessoa a Camões:
e recebe mesada de sua tão boa madrinha & tia.
Fechei há muito este quarto a visitas interesseiras, onzeneiras, maliciosas, porcas-no-estrume. Eliminei rancor, eliminei ciúme. Gasto esta tinta, aproveito este papel. A minha vida é tão incontável quão a mais esquecida pedra do caminho, a mais vaga pulga da caminha. Filtro a minha luz mesma. Toda a gente faz isso, não há aqui novidade, é humana recorrência.
Nada aqui dentro, a não ser tudo.
Nada (o mundo-no-mundo), excepto tudo.
Tenho aqui tudo – por nada o trocaria, se nada houvesse ou fosse. Não domino os mares, não fujo à sideral solidão de cada maluqueira elementar: porra da consciência, o mim-por-si.
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Tenho visitado alguém-também-meu em curso de apagamento. É uma obliteração cursiva: ou uma existência em itálico. A minha potência é nenhuma, por total a impotência de cada um em situação como esta.
Outros visitantes abordam aquela instituição, vão ver a quem chamam (ainda, se não para sempre) seu ou sua. A brisa toma aquele montalto, a vegetação treme, o fresco sobrevive ao sol inclemente.
Há gatos pelo pátio. Levo-lhes ração seca. Vejo-os comendo. Parecem-me magníficos pobres. Andam pelo cimento como pela horta vizinha do Lar.
(Escrevendo assim – mais biolinearnarrativamente, por assim dizer –, sou capaz de ter mais leitura. O artigo 734 começa por: Suspende-se a sós o momento sem fio narrativo: e vai por ali-diante parvoiçando hermetismos.)
Há gatos pelo pátio – dizia. Revejo-os & alimento-os uma vez por semana. Toco um pouco de música. Não levo cigarros, não fumo, aproveito o ar alto daquele pedaço de serra.
Nem sempre foi assim – com o meu agora visitado, fiz outro tipo de excursões. A guitarra é a dele, aliás. É tudo quietamente triste. Digo-o assim por ser verdade. Não me interessa se é ou não real: é verdadeiro. E não dura mais cinquent’anos.
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O meu é um País de Especialistas Tudólogos.
O meu é um Pedaço Nunorogeiroado.
Todos percebem de tudo, a começar p’los Futebólogos.
País do TV-jantar com sabor a vomitado.
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Um tablóide inglês (julgo que The Sun) trocadilhou com graça em manchete, a propósito da debandada em Cabul: “Joke Biden”. Ri-me e concordei sem esforço. Aquele paiol de merda chamado Afeganistão parece nunca mais rebentar de vez. Mas a jok’anedota lá está: risonho & enxuto, o parvo do velho.
Por cá, os rebanhos simiescos de sempre: de madrugada, balindo & emporcalhando as vielas do Bairro Alto; pela finitarde, afocinhando no aeroporto à espera do Astro-CR7. O fraco juízo fortalece a beócia gente. (Chamemos-lhe assim, gente, para praticar a boa’cçãozinha-do-dia.)
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