© Alfred Stieglitz
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Sábado,
28 de Agosto de 2021
Por uma noite fria, em aldeia de que perdi o nome, demos cantata à população íncola. Fizemo-lo bigraciosamente: por graça & de graça. Penso ser, com João Francisco, o derradeiro sobrevivente dessa formação. Julgo, ainda, ter sido por volta de 1984 – o meu Pai ainda saía de casa, esporadicamente só embora.
É abafadiça a hora a que escrevo – e outros o século & o milénio. Há muito não toco em grupo. Sim, muitos anos se deixaram arder desde que pela última vez fui um-inter-pares: unus, não primus. Recordo sem toleima nostálgica esses tempos em que a música não só me entrava como me saía também. Recordo porque-sim, mais curial razão que, ao menos de momento, me ocorre.
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Muitas destas páginas são tintas de pessimismo & des-fé.
Bem o sei. Muitas mais são bem capazes de vir emulá-las.
Só alinho em coisas sozinhas, não me faço rodapé
de alheio texto créu de conspirações, maquinações & cabalas.
Sou vou, senhorial, por onde aponto meu mesmo nariz.
Eu sou o que me digo, não sou o que & do que se diz.
Já nem sequer lamento alheias autobeatificações.
Acho-as oleaginosas, até indecorosas, só senis (aos) tropeções.
Sei que os idiotas-da-turma subiram ao comando social.
Conheço a recompensa que aufere a me(r)diocridade .
Abomino a caca do polític’u-recto, essa ganga bestial
que urra, burra, por as cloacas da cidade.
Deixou a sexualidade de ser condignamente privada,
tornou-se trombeta, Mister Darwin, da involução.
As lambéconas coçam em público a tomatada
& tremaricas lambem cones de gelado pimentão.
E por todo o lado o “respect” & o pseud’anti-racismo.
Ser-se branco, agnóstico & hetero é a pior das ofensas.
Evitar cercanias ciganas é ultramontano direitismo.
E fumar é cuspir em deus. E blasfemar contra as crenças.
Eu cá por, mim, rapazes, digo-a sempre toda:
qualquer “cultura” anormal, cá por mim, que se fôda.
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Os dias acabaram-se esta madrugada para o pedrulhense Rui Borges.
Falhou-lhe o coração na urgência hospitalar.
Há décadas trabalhava ao balcão da farmácia na Sá da Bandeira.
Nasceu em 1959, não viveu afinal muito, parece fácil não-ser.
Como vagas surdas batem em meu litoral estas novas.
As pessoas vivas telefonam-se, consultam-se, avisam-se.
A vizinhança bairrista vai cedendo devoluções à terra.
A Grande Roda apequena-nos em perfeita calma.
Agora há tão-só que recolher & ajuntar os cacos.
De nordeste da memória chega & parte a aragem indiferente.
Uma espécie de pudor vela os óbitos & os hábitos.
Nada disto conta já para aquele Rui tantos anos trabalhador.
Em camp’aberto, uma pessoa respira luz, sente-se partícipe.
Não há como transmiti-lo, a pessoalidade é país fechado.
Como António Fragoso, ali da Pocariça, tão cedo decepado.
Como tantos que se fundem em um, se bem no atentarmos.
Chopin & Schumann vigoram nos quartos solitários.
Desmantelaram do largo a feira tantos anos rumorosa.
Rumor & rosa, há-os assaz no Fragoso da Pocariça.
Levou-o a grip’espanhola, vírus-chinês daqueles anos.
2021 & 1918, por A.F. & por R.B., parecem-me afinal comuns.
Comuns-inter-pares, digo, entre si: a mesma regra se lhes aplica.
É possível, pela Música, unirmo-nos a outras solidões.
Despem-se os bairros, estiolam as vizinhanças, é desgracioso.
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