15/08/2021

PARNADA IDEMUNO - 712 a 714

© Richard Doyle (desenho) / Swain (gravador) / Cooke / Simon Cooke (scan)


712

Sábado,
14 de Agosto de 2021

    Pelos anos que medeiam o século XIX, aí por quando nasceu Eça, os boémios londrinos de carteira recheada iam cear, depois do teatro, ao célebre Cider Cellar, banqueteando-se com vigor & enfrascando-se à rija, cerca de cento e cinquenta, ou mais, numa larga taberna de feitio-concerto. Aí se via & escutava todo um inumerável repertório teatro-cançoneteiro, como Jack Hall (“damn his eyes”). Devem ter sido bons tempos para certa aristocracia moinante & para círculos mundanos não afligidos pela pobreza pecuniária. Um que lá foi (mas só por meia hora, não mais, por ser avesso a profanas dissipações, de conservador católico que era) chamou-se Richard Doyle, artista do Punch & tio do célebre criador de Sherlock Holmes, Arthur Conan Doyle. Richard foi fugaz freguês do Cider, certa ocasião, na companhia de Thackeray & de Leech.
    Apre(e)ndo estes informes na tarde algo monástica do corrente Sábado. O Gatito dorme, principezinho do tugúrio. Para mim, canja de galinha gorda & pêras cozidas em calda de canel’açúcar. Há vidas maismalmente vividas.

713

Como uma praga de marés más que o mundo há muito merecesse
Inundações-incêndios-vulcões-dispêndios-de-vida ubíquos
O planeta rebenta por costuras que já nem tinha, coitadito
Arde a fornalha, morrem calcinadas em pleno voo as aves
Não me lembro de qual foi a derradeira vez que me ri
O Benfica venceu o Arouca por 2-0, menos mal o dia
Uma pessoa desperta dentro de um si a que é estrangeira
Mirei hoje doze-retratos-doze de pessoas centenárias
Também elas aturdidas ante a dissipação do mandato de vida
Tudo lhes/me parece um comando de busca-&-destrói
Como uma praga
Etc.

Mas – esperai. Esperai, que não quero dar já por fechado o
poema anterior. De facto, o mundo parece acelerar para o
abismo de si mesmo em passo corredor, alucinado, como se
intoxicado de fadiga, inebriado de desistência/d-existência.
Será que tudo não passa de um apocalipse de plástico
fabricado pelas televisões & pela internet, esses papagaios
dos impérios em colapso, eles sim em colapso, não o planeta?
Penso que os índices são medonhos, neve no Brasilsonaro, Sibéria em chamas,
Uma pessoa acorda sem sentir-se desperta
Sente-se violada por algum fantasma que nem em sonhos.

(714)

engraçado ter & ser um corpo adentrado d’anos
A Língua dele segue nova & viçosa, não ele
Vai apetecendo usar chapéu, colete, botas-de-elástico
Dar de beber a uma dor afinal finalmente esquecida.)

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Canzoada Assaltante