© DA.
706
Quinta-feira,
12 de Agosto de 2021
O século XX foi o mais desgraçado dos séculos, calhou-me ele por nascimento mas é no decorrente que algures morro. Caso não sejais fantasmas já ou não conteis tão-só vinte anos de nascidos, o mesmo se aplica a V. Assim é.
Quanto ao exposto no parágrafo primevo de hoje, nada a fazer – e tudo por refazer. Do século anterior, guardo a melhor parte de entre 1964 & 1986. Não é mau: se eu chegar aos 88, é a quarta-parte da minha vida. Mas duvido que não seja, afinal, mais do que tanto – ou tão pouco. Em valor percentual, digo.
707
Ao fresco calado da noite um homem pelas ruas medievas
Indeterminado ano é o presente desta sozinha acção
Rés a igrejas fechadas com deus deixado cá fora como os cães sem dono
Lá vai ele a seu destino único, matéria prescritível como o papel
O frio dessas naves para sempre pousadas, vazias, eclesiais
Cidade de um homem só – mas não assim todavia todas, ó manos?
Passou o dia, a década exauriu-se como as mães fatigadas
É precária a jóia engastada na pedra, vulgo coração
Digamos que esta tarde dormiu para eximir-se ao calor
Despertou no deserto com telhados por todos os lados
A fontan’antiga murmurando seu débil cristal, bebedouro d’aves
Nem os cães acreditam em deus, vivem outra demanda, sábios
Lábios & beiços, mães & cães, pasto vocabular deste homem
A ninguém que o espere levará de que desespere
A solidão & o desamparo são diferentes coisas às vezes irmãs
No promontório é bom estar ao frio bebendo o ar preto
A alta silveira estelar fulge a gelo onde até os anos são luz
O sideral caracol purga hidrogénio à bruta, aquilo tudo incendiado
Como as matas no Verão Perpétuo do Século XXI, nosso último
Preferiríeis talvez que este homem nem a seu papel mesmo chegasse
É deixá-lo ir, estão devolutas as barracas da feira-popular
Anda uma criança a fazer-se homem para isto
O deserto ainda não é o mais, pior é a memória do desertor
Por mais que isto se diga devagarinho nem a soletrado cântico chega.
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“(…) o corpo,
essa coisa que afinal nunca nos deixa
e nos rouba de noite à nossa sombra.”
Isto é Armando Silva Carvalho,
Sentimento dum Acidental,
página 39.
Leio isto na minha noite, amanhã de manhã sirvo de seara a determinada colheita, digo, de sangue & mijo em jejum, o Estado-Pátrio interessa-se pelos meus valores: os éticos como os respeitantes (& respeitáveis) à glicose, ao azoto ureico, à creatinina, aos uratos (meu velho ácido úrico), sódio, potássio, cloro, cálcio, osmolalidade, proteínas totais, albumina, ALT (GTT), fosfatase alcalina, gama GT, bilirrubina total, creatina cinase, proteína C reactiva, colesterol total, triglicerídeos, hemograma com leucograma, tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial + Activado/APTT,
a verdade é já não me largarem,
entrei no sistema & do sistema já não saio,
como não saio de
o corpo
essa coisa que afinal
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