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Sábado,
21 de Agosto de 2021
Não há-de ser hoje que o mundo alinhe em harmonia para consigo mesmo. Gente a mais, mundo a menos: inversão proporcional. Vou preferindo outros arraiais. Estou na minha direcção. Não há aqui prodígio nem grotesca anormalidade. É só uma pessoa a ser-se. O mundo é outro assunto. Profusão (pandoriana) de histórias realizadas: mas só as documentadas em obra podem palpitar algum tempo. A meninice de Marcel Pagnol. Saint-Exupéry em o avião-correio. Léo Ferré com sua Pépée. Brel antes da ribalta. A mãe de Simenon não gastando o dinheiro que Georges lhe envia. A tragédia individual chamada Roger Casement. O labor titânico de Balzac, Flaubert, Hugo, Zola. Ante o precedente rol, que interesse pode ter uma actualidade noticiosa exausta à nascença logo? Nenhum. A harmonia utópica? Tem de ser desutopizada no plano uno-pessoa. Funciona a rede pública de transportes? Funciona. Então muito bem. Há muito tempo que está em obras de repavimentação a Rua Doutor Manuel Rodrigues. O calor levanta pó, não é agradável. Saem da farmácia, aviadas até os dentes, mãe & filha. Cada uma com seu saquinho de papel, cada saquinho com seu tesouro farmoquímico. São os bombons delas, velhas ambas, andorinhas anacrónicas de uma primavera falida. Chopin esteve hospedado chez George Sand. Um rio de conimbricenses pelo leito da Sofia. Lidam suas vidas transitárias & transitórias. Göring consegue envenenar-se antes que o enforquem. Stockhausen ousa uma obra original, sem peias nem concessões. O Choupal recebe. Ernst Thälmann é dos varridos da História. Outros mandavam na maré das ruas, nas instituições cancerosas, no paiol repleto de fisgas-de-fogo. Vem aí o incêndio-posto no Reichstag. O gordo Göring manobra com extrema oportunidade. Ernst (outro Ernst) Röhm é outro dos varridos. Quem se lembra dele? Minerva. Mirvel. Ideal. Turíbio. Estaco. Lufapo. Os nomes-cartazes esmaecem-se na bruma célere, em câmara-veloz as nuvens do Sábado esfarrapam-se pelo azul-cinza. Não venham jurar-me que a mescla não é curial, não venham: por não valer a pena virem. Saiotes cardinalícios, togas tribunalícias & outras imundícies alimentícias. Essa Coimbra de 40/XX, cerrada em pedra, caqui, revivalismo chunga de uma História-Legionária, bufos por todo o escaninho daninho mais comezinho. Quem? Um Josef Hartinger? Nada pode, pobre peão. Interessam-me mais, todavia, Harry Dean Stanton & Guilherme Pais. São figuras que me recorrem sem requerimento ou prévia campainha. O primeiro, muitos souberam apreciá-lo em conforme gratidão. O segundo, não: poucos se deram ao trabalho de compreender o que aqui trouxe & o que daqui, morrendo, tornou insolvente. Digo o que sei.
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