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Segunda-feira,
2 de Agosto de 2021
Passar pela vida través os bastidores sem palco. Assim foi com Bernardo Manuel Arroz Casal (1862-1904). Nasci seis décadas exactas a seguir, digo, à sua terminação. Pouco falta para seis décadas terem passado desde a minha iniciação. É igual para todos. Não deixo isso enxofrar-me o serão. Vou à marquise, pouquíssimos carros nas vias a poente, nota-se bem que a pandemia sangrou a dinâmica social & o fervilhar económico. Antes como agora, talvez como no porvir, não há pássaros de noite. Sinto-lhes a falta. De dia, não me falham. Dormem agora em misteriosos recônditos secretos abrigos. Lembrei-me de Arroz Casal ao folhear certo almanaque muito antigo que me espera os dedos como uma criança a uma festa. Pela morte de Bernardo Manuel, era de um ano o infante belga Georges Joseph Christian Simenon. Foram, por tal, contemporâneos perfeitos: respiraram ao mesmo tempo por algum tempo. Associo o grande Simenon a esta prosa nocturna para agradecer-lhe as deliciosas horas invernais lendo, dele, os livros com & sem Maigret. Grande escritor de grande psicologia, o belga. Acabou em mísera condição emocional (aquilo do suicídio da filha, aquilo da retaliação crudelíssima a que procedeu nas Mémoires Intimes). Em boa-hora o frequentei. De quando em vez, a ele retorno mui prazenteiramente, Quanto a Bernardo M.A. Casal, nada posso ler dele. Não escreveu nem publicou. A sua (grande) contribuição para a arte literária foi o financiamento & o expediente de um ateneu-biblioteca para utentes com a pancada-da-literatura. E logo em Penacova, naquele tempo tão remota povoação do XIX português. Vale que, depois, os seus herdeiros transferiram o espólio da instituição para um segundo-andar de Celas, onde vigorou até meados de 50/XX. Nasci, como disse, na década seguinte. Tenho algumas obras extraviadas da livraria do ateneu de Arroz C.: botânica, viagens coloniais, reis & rainhas, filatelia, mecânica anatómica humana. Prefiro Simenon, que todavia teve mais palco.
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