© DA.
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Quarta-feira,
23 de Junho de 2021
Autoarmadilha-te nostalgias & anemias mas depois não te estremeças
de vir chorranhobabar-te no meu ombro osteoporótico.
Deves-me mas é duas de vinte, não te esqueças.
Sim, quarentolas, meu cão-danado, pelado & neurótico!
Apocalips’eclips’ei-me há muito de poemazecos,
só escrevo agora nos livros-de-reclamações.
Uma pessoa não chega a Pessoa, essa é que é Eça, ó Camões!
Bebo aguardente sozinho, não m’encarreiro com ba(r)damecos.
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Profusão encarnada de grenás rubicundos. Veludos fortes, damasco nada áspero, antes macio como vulva amada, outrora. Todos os móveis belamente, escrupulosamente envernizados, como aliás merecem tão formosas peças. E no entanto mora aqui gente pouco-nada-zero feliz. Palácios & barracas parecem capazes do mesmo, afinal.
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No próximo dia 10 de Abril de 1962 (terça-feira), o senhor (ainda não) meu Pai completa 47 anos. No mesmo dia o melhor JazzMan do Mundo & de Sempre, senhor Bill Evans, grava nos Plaza Sound Studios, em NYC, USA, In Your Sweet Way. É engraçado ver o meu Pai dez anos mais novo do que eu, A Seu Doce Modo.
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Fui ao enterro de Jules, pai da Marie du Port, por cá conhecida como A Sonsa. Convidou-me um belga chamado Jorge Sim-&-Não. No préstito, L. Carrola contou-me da viagem que fez à Tunísia. Diz-me que dormiu numa tenda (mas de luxo, quase como as do Qadhdhāfī, o Líbio) em pleno deserto. No mesmo saimento, o sargento Pias disse-me que a maior mágoa que tinha na vida era a de Béla Kiss, esse cabrão sanguinário, lhe ter escapado por um triz. (E triz vem-nos & chega-nos da Língua Grega, significando cabelo. E quando eu expliquei esta etimologia ao sargento Pias, ele rosnou-me logo, afastando-se-me com nojo, “Bubedolas-poetôlo-do-catano!”)
Enterrado “o pobre Jules”, como o designou o “enorme Charles com a sua perna-de-pau” (disse-me o Sim-&-Não, assim textualmente, a páginas 6 da tradução portuguesa feita por Mascarenhas Barreto para a Colecção Miniatura, Livros do Brasil, Lx., s/d), fomos escorripichar vermutes no Café de la Marine, claro. Vermutei-me então tanto, que às tantas, mesmo de olhos cerrados, já olhava os delírios do campo. Ninguém me tratou mal, nem eu fiquei a dever um pataco, paguei a rodada da minha vez e tudo – que, no caso dos bebedores, costuma ser nada.
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Já não vive Eduardo Ávila Fraga Rarobusto. Faz cá tanta falta quanto a fome. Era um falso bonacheirão. Ao vocábulo bonacheirão é instintivo associar a imagem do gordo-bondoso. Ele de facto era-o, à excepção de bondoso. A gordura dele ressudava miméticas de circum-intelectual. Ele de facto era-o, à excepção de nada.
Também já não respira Manuel Linhaça Hierro Malva, que parecia menos do que era. E o que era, era grande, grande pintor. Conseguiu poiso onde dormir, comer & trabalhar. Vendeu pouquíssimo do muito que criou. Não tinha alma para o negócio, só o segredo do ofício. Apoiou-o a Família Janela Arriaga (patrono-mor, o velho Aurélio Victor J.A.; conivente, a senhora deste, Celestina Maria; idem, o filho Victor Aurélio; idem, a filha Maria Celestina). Pois ainda bem.
Mais mortos:
António Colombo Iorque Guerreiro, falcão de falcatruas chorudas, nem dois anos chegou a cumprir na penitenciária, mas a chelpa gamada não o safou: à saída de uma opípara jantarada de casino-hotel, estirou-o sem retorno um fulminante chilique cardíaco;
Reinaldo da Glória Canavarro Videira, topógrafo de leitos-marinhos, cônsul-honorário da Costa do Marfim, amigo dos judeus diamantinófilos de Amesterdão, informador da Mossad (que é como em ídiche se diz & escreve & pratica Abwehr ou Schutzstaffel, é à escolha do freguês), viúvo consecutivo de matronas invariavelmente milionárias & invariavelmente envenenadas a conta-gotas, finalmente viúvo & órfão de si mesmo às 16h23m da tarde de domingo, 7 de Agosto de 1983, dia-santo escolhido por Cesaltino Moreno, seu amásio & gigolô dominicano, para o escortaçar à catanada em plena Plaza Mayor, Madrid.
Sei bem que não parece cá muito bem apodar tão assanhadamente os mortos. Não quero saber. Sempre tive por norma certa lapidar franqueza & certo assassino desassombro quanto a filhos-bastardos-de-putas-confirmadas. Do meu rol hodierno, só escapa, pela porta boa, o pintor Hierro Malva. Não faz mal. Não se pode estar sempre a dizer bem, sempre a ser entusiasta & encomiasta. Os animais não criam lixeiras. As lixeiras são espelhos de uma certa espécie. Maiormente, o símio-humano é coteto & é faceto. Não minto, quanto a isto. Não vou ser ditirâmbico, por assim dizer, para com quem não merece, em vida, respeito na morte. Sei bem que não ganho codório, ou migalha sequer, com tal armadura. Também nunca me vistes nem ouvistes cantando o Horst-Wessel-Lied, pois não? Pois não.
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