04/06/2021

PARNADA IDEMUNO - 433 a 436

© Minor White



433

Quinta-feira,
3 de Junho de 2021

    A perspectiva não é boa nem má – pois que não pode ser de bondade ou maldade o que não é nem há. Ou seja: perspectiva nenhuma. Refiro-me a desejo, finalidade, objectivo, planeamento, alvo. A prática imediata tem-se sobreposto a qualquer utopia utopicamente idealizada. Ou seja: por aqui não há utopias, há só dias. E mesmo entre estes, ele há dias.

434

Rol de nomes configura porção substancial de como entendo.
É, cada um, mundo-em-Mundo, ilha de que me faço istmo.
Nunca V. menti quando aqui deixei claro que sei muito pouco.
Não me refiro ao saber livresco mas ao saber-em-ser.
Arménio S.A., porteiro de matadouro, bom & triste como a chuva.
José A.C., cortado quando tudo podia recomeçar a sério.
Luís M.M., lutador intimorato, feliz pelo filho.
José M., bravo exortador do comércio, sofredor pela filha.
Maria da Luz F., de coruscantes olhos negros, sombra feita de luz.
Filomena C.D., necessária como o ar, como dançar na praia.
Angélica C., competente, sábia, prestável, empenhada.
Maria da E., sozinha como a Lua, de ciclo minguante só porém.
Estes quatro + quatro nomes são areia da minha praia.
Penso mais neles do que alguns consideram são.
E no entanto considero eu que não.

435

    Pretendo tão-só que os operários da minha criação sejam estimados por a honra que foi sempre deles própria. Sempre que reencontro algum, retorno a pequeno & a admirador. Não é pose, não é teatro: é pequenez & é admiração.
    João S., que gosta de livros; Fernando D., que encarreirou licenciatura no pós-laboral; Valdemar B., que fez como Fernando D.; Carlos F., que não desamparou jamais os filhos, como desamparei eu as minhas.
    Disponho de exemplos a ganhar-de-vista, felizmente. A minha memória-tributiva não se abeira do ácido-clorídrico – não no que respeita a quem merece respeito.
    Outra verdade digo: também me não olvido de quem me merece(u) repugnância. Também tais pessoas merecem prateleira em a montra memorial, pois que são úteis pelo contraponto do merd’exemplo.

436

Três pessoas exploram uma floresta.
Uma delas despenha-se por abrupta ravina.
A morte é acidental, mas causa o pânico dos vivos.
Decidem sepultar o corpo, nada dizendo às autoridades.
Passam-se 51 anos, um alude descobre a sepultura.
Passeantes descobrem as ossadas, chamam a guarda.
O ADN revela tratar-se de Ivone Elmano, estudante de Psicologia.
Os pais morreram há muito, só a irmã é viva.
Adélia Elmano (Garção, de casada) vai à morgue assinar papéis.
Sepulta a irmã no jazigo onde pai & mãe deixam enfim de esperar.



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Canzoada Assaltante