© DA.
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19 de Junho de 2021
Violeta Lobo, coitada, tinha esperança de, fumando por boquilha & arvorando ademanes à maneira de belle-de-nuit, chegar a poetisa caprichosa & decadente – se não a uma Florbela E., ao menos a uma Natália C. Acontece serem mais os lobos do que as violetas.
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Não tenho – ou sou – de importância.
Não digo tal de Vós – digo-o de quem mais bem conheço.
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Profusão. Cintilação. Circunvolução. Sinalização.
Contingência. Eminência. Iminência. Incidência.
Nisto tenho andado a vida toda, senhores.
Nisto & naquilo, com este & sem aquela.
É sábado, posso ordenar iludidas permanências.
Que poderia interessar-me o banqueiro que rouba? Zero.
Pensa escapar rico à pobre condição jacente. Coitado.
Hermengarda faz cozinha & limpeza na casa-de-pasto.
Ganha os cêntimos dela, tem um filho que anda ao pó.
Conheço-o: chama-se Eurico, ronda pelo presbitério chamado Bota-Abaixo.
Já almocei com o meu Irmão Fernando comida feita por Hermengarda.
Acho que foi há três anos, antes desta merda pandémica made-in-China.
Cristina. Idalina. Etelvina. Coralina.
Abel. Leonel. Samuel. Nataniel.
Tenho entrevisto muita gente, ela por ’í (des)anda à vida.
Vou à marquise fumar, anda um homem desbastando mato.
Tenho de esperar que ele se vá, só depois reverei as aves.
Em uma caixa funda albergo o meu calçado. Tem muito erro caminhado.
Tenho outra para jornais, do tempo em que os havia em papel.
Havia-os em papel & eu escrevia neles.
Isso lá vai, uso de outro século, não importa.
Os sinais-naturais são, em semiologia, índices.
Indicam. A nuvem carregada: chuva iminente. Etc.
Eu quis chanfana, o Fernando quis febras grelhadas.
Curso. Recurso. Transcurso. Discurso.
Mestre. Silvestre. Alpestre. Contramestre.
Enredos deliciosos escutados com os olhos.
Léo Ferré em 1988. Fernando Pessoa em 1914.
A imundície invencível do imbecil mal-intencionado.
A Espanha 1936-39. A Alemanha 1933-45.
Os manos Sitwell. As manas Mitford.
O johnwaynesismo dos de pouca-mioleira.
O charltonhestonismo dos de zero-mioleira.
O cabrão do Mao mandando matar pardais aos milhões.
O cabrão do Estaline mandando matar compatriotas aos milhões.
Mas Van Gogh. Mas Shostakovich. Mas Poe. Mas Salgueiro Maia.
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O velho pai pede ao filho que fique um pouco. O filho anúi. O pai conta-lhe um enredo anterior ao nascimento do ouvinte. Depois, dispõe-se a fazer a sesta. O filho beija-lhe a testa, retira-se, conta voltar pelas primícias da Primavera. Fá-lo-á antes disso: o velho morre em Fevereiro. Relatam-lhe um óbito sereno, durante o sono da madrugada. O órfão voa de Helsínquia a Lisboa, aluga um carro, trata com a funerária, faz incinerar o patercorpo em Taveiro, entrega as cinzas ao cuidado do Mondego, devolve o carro em Lisboa, voa para Copenhaga.
Na mesma sexta-feira da incineração daquele senhor, uma divorciada de 58 anos comete a falta de dar tempo & antena a um falsário de sentimentos cuja exclusiva paixão é a do dinheiro. A dita desquitada acontece ter algum de seu, aforrou-o em tempos menos maus. Conhece o fulano numa discoteca especializada no ramo baile-das-velhas. O mocho abicou a rata. Em menos de passado o semestre seguinte, já ele se untou com os sessenta mil euros dela. Viste-lo mais Vós? Eu não. Nem ela.
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A transfiguração dá-se, não se vende.
Uma pessoa aproveita a noite para iluminar, de olhos fechados, os cantos da mente que o dia cru mais faz por obscurecer.
É direito da pessoa tudo fazer no sentido de contrariar a contingência que a oprima. E é direito meu insistir neste ponto.
Verdades fragmentárias, ou migalhas de luz, ou centelhas de pão, (con)correm à velocidade possível à mente. Mais lúcida, mais atenta; mais atenta, mais rápida: mais rápida, melhores versos.
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