09/06/2021

PARNADA IDEMUNO - 455 & 456

© DA.


455

Terça-feira,
8 de Junho de 2021

    Frequento as memórias vividas & escritas por gente cuja passagem por a vida digestivo-respiratória foi, por particulares motivos, sem par. Campeia a singularidade. A menina viajando com o pai. O estudante que foi de barco à China. A mãe distanciada, sereia equívoca. O Dia de Finados de 1938 ter sido quarta-feira. 16 de Junho de 1904, quinta-feira. Estranheza. Excentricidade. Exotismo. Ou absoluta normalidade. Perfeito atavio. Sem colarinhos ou sapatos enxovalhados. Nomes de alienígenas nados neste planeta. Sífilis. Alcoolismo. Opiáceos. Dinheiro fétido. Peregrinação a orago nenhum. No templo despovoado, beber sozinho. Sem a bênção do oblívio que não seja a decilitro. Maravilha nenhuma supera a humana, senhor Sófocles? O vulcão como nascente & como esgoto. Mezcal puro con gusano. Em espelho & contraponto, as páginas conseguidas, limpas, terminadas, prontas para o prelo. Mir’im’agens, ventos trazendo palavras estrangeiras que aqui não podem ser cambiadas por poemas espontâneos, prostíbulos de recém-crianças, judeus acantonados em bairros argentários, mulheres às compras subsistenciais, pequeninos canteiros de que sobem rosas instantâneas. Cães famélicos, criminosamente escorraçados por quem matou neles o lobo-primevo. Pombas duramente sobrevivas. Uma senhora de verde, muito bonita, octogenária, recorda dias com o homem que a vida lhe apresentou. Duas guerras de extensão planetária massacram gerações de indelével modo. Oaxaca, Macau, Odessa, Vancouver, Perth, Peniche. Em certo âmbito, tudo o mesmo t(r)opo. Batatas, pão, peixe salgado, gin. Morbidez, euforia, histrionismo, estupor, procrastinação. Barco regular de mantimentos à face do lago maior da região a norte. Encomendas regulares provindas de alguém que nunca nos falharia. Só o fraseado certo (a ponto de intocável, de ne varietur) conta – com a maior & mais inclemente imponência. Lobotomia como felicidade-vegetal. Noite c(l)ínica. Alma pá(t)ria. O cônsul inconsolável. Funerais-nacionais para entretenimento de mirones & alvíssaras de carpideiras. O farol pontuando a noite, seu morse para náufragos. Carrosséis das deprimentíssimas feiras-populares, deprimentíssimos entusiasmos a tostão o tirinho-ao-boneco, ravinas por que se despenham os lixos do consumo. Olhos cerúleos, pescoço de gladíolo, visão gentil entre nenhuma lembrança & nenhum esquecimento. Tragos & trasgos. Flautins, delfins, bons & maus fins. Estilo depurado, mesa do canto mais obscuro – sempre. Malcolm/Marjorie. Richard/Elizabeth. Carlos/Ângela. Albert/Blanche. Raul/Angelina. Um embarcadouro. Uma casa ardida, de lá dentro os gritos dos manuscritos: manusgritos. Uma nespereira topónima. Nem manhã perdida, nem noite vencida.

456

    Mirabol’and’ando sigo, mais à claridade perseguindo do que à clareza. Receio não me inclinar para uma escrita mais, digamos, democrática – mas é minha a assumpção de que, à excepção do Sol, nem tudo o que nasce é para toda a gente. Cabe a esta a escolha. Cabe a cada um pensar por sua cabeça. Eu não vou pôr-me a formigar uma sintaxe que repugne à maneira como (a) penso. Também não se trata de elitismo, de criar para um exclusivo & exclusivista escol de iniciados. Nada disso. É toleima minha, de mim depende & provém – interesse, se interessar, a quem interessar. Posso estar confortavelmente instalado numa sequência de frases escorreitas, sujeito-predicado-complemento-etc. – e dar-me para

    Velas ardendo no mar.

    Velas de barcos (já que mar consta)? Velas de cêra (já que ardendo consta)? É deixar (mirabol)andar, gente.



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Canzoada Assaltante