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Terça-feira,
15 de Junho de 2021
Orlando Azul frequentou o Trinity College, Dublin. Eu não, nunca.
A família Castro-Azul era próspera; Orlando, brilhante.
Deixou folhetos: hoje, como então, em absoluto ignorados.
Poderia (deveria) tê-los encorpado em volume, não o fez.
O que fez, fê-lo em privado-livre, seu modo único de vida.
Sabe-se que queimou resmas de manuscritos nos últimos meses.
Não teve um Max Brod.
Não teve um Silva Pinto.
Esses últimos tempos foram há inacreditavelmente muito.
Não penso nele como se usa pensar em gente malograda.
Orlando não era, nunca foi, nunca se deixaria ser um malogrado.
Creio que nem o próprio pai alguma vez o pensaria assim.
A sanidade? Dizei-me Vós algo dessa ficção, em este mundo.
Alguma vez me vistes apedrejando andorinhas, por exemplo?
Lavemo-nos todos antes de morrer, depois não conta.
Há quem se lave queimando-se papéis, conte o que contar.
Mas apedrejar andorinhas?
Eu não, nunca.
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Susana, até o fim, não desmereceu (d)o companheiro.
Muito porfiou ela em prol do reconhecimento artístico que lhe era devido, verdade seja dita & lembrada, muito porfiou ela.
Beneficiou Maló de sua Susana? Quem de-boa-mente o negaria?
Uma tia dela, Elisabete Regina, era fiel cliente do taxidermista: queria consigo para sempre os animais de sua exclusiva estimação. Susana queria bem aos animais também – mas a Maló sobre tudo o mais.
Assim foi até 1989. Então, o Nada aboliu o Depois, a tudo & a ambos volveu perpétuo Antes.
Ou, por assim dizer, empalhou-os.
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A minha materAvó, Cândida Leite, conheceu todas as décadas do século dela. Por poucos dias, não posso dizer o mesmo do grande Samuel Beckett: morreu aos 22 de Dezembro de 1989. Nascera perto de três anos depois da minha Avó, morrendo cerca de cinco antes dela. Apesar de mais novo & de menor longevidade, foi Samuel – e não Cândida – a receber o Nobel da Literatura. Para este facto incontornável, deve sobremaneira ter contribuído outro facto incontestável também: ela apenas sabia assinar a singela dupla onomástica que civilmente a resumia. Mas sempre legou ao mundo a minha Mãe, que só há dez anos se faz esperar como Godot.
Acudiram-me ambos à mente, em o hoje correndo.
Amanhã, talvez o dia seja para, sei lá, o meu paterTio Arménio & Malcolm Lowry, não sei, ainda a meia-noite se me não deu à janela, esta mesma a que, de olhos fechados, deixo cair o lápis.
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