© DA.
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Quarta-feira,
10 de Fevereiro de 2021
Uma via liga as construções no cume da colina às do sopé da mesma. Serpenteia um pouco para aliviar a condição íngreme de tal trecho do mundo.
Já muitas vezes a palmilhei a solitários penates. Umas vezes, de manhã muito cedo, muito fresco o mundo renascido. Outras, já noite cerrada, à solta os fantasmas próprios como idem os alheios.
Refiro-a (estranha coisa) por saudade. Estranha por justificado mote: porque a tenho a poucos metros de casa & porque me obrigo a confinamento antiviral. Por tal mote, voltas não dou: daí a saudade.
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Entravam às dezasseis, despegavam à meia-noite. Na copa da cantina faziam sandes para comer de caminho. A doze quilómetros estacionavam em frente ao bar da estação-de-serviço, bebiam uma cerveja cada um, raramente duas, às vezes nem uma, bastava-lhes um abatanado bem quente. Era quase sempre inverno, nesses anos ainda não proscritos nem por escrito. Auferiam razoável remuneração, com a que sustinham as famílias. Conheci-os por eu próprio andar muito na estrada da noite, então. Jorge Marcamor & Télio Cigarra eles eram. Eu, Dionísio Arco, ao vosso conto.
Mais três quilómetros a sul das bombas, e chegava-se à vilória onde nasceu Virgílio Melo, o reputado autor da Paródia de Cícero, essa ridente opereta que a tantas plateias sócio-recreativas tanta alegria deu. Virgílio Melo, o não conheci já, era eu bambino quando a tuberculose o enxugou. Represento-o aqui por já ninguém o representar alhures.
Télio & Jorge sumiram-se nas respectivas brumas, como me sumi eu na minha, é da vida a lei natural & a coisa à ordem. Com mais néon e pior serviço, ainda lá é o bar da gasolineira. Só que já muito raro é eu anoitecer fora de casa. Envelheci, ganhei tudo já o que tinha a perder, nada nem ninguém me convoca para fora destas paredes a que encosto tantos manuscritos impublicáveis.
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