© Sebastião Salgado
No futuro, todos teremos passado.
De vez.
As enfermeiras entregam-nos às mães
dentro de tábuas de papelão.
Ominosas, as gajas.
Ama-me pelo lado contrário a quem sou.
Não pode ser, dizes?
Eu vi o teu peito branco na noite preta.
Tinha dois olhos cor-de-rosa.
O animal triste coita contra si mesmo.
É uma alegria.
Breve.
A mulher do outro não compra nada
que seja nosso.
Hás-de um dia estar no chão da cozinha
de tua Mãe – e só dois serem lá,
o chão da cozinha e tu.
Este é o pequeno tempo das grandes perdas.
Este é o grande tempo das pequenas merdas.
Ela tocou o cabelo do marido com a boca.
Eu estava no banco de trás e não esqueço.
O teu silêncio é tão ruidoso,
que ninguém te ouve.
O sol faz do teu coração uma caravela.
Não há mar, não há mar, não amar.
Todos teremos passado, alguma vez, na vida.
Mas nem todos a passámos.
O educado senhor veste quatro fatos pretos.
Fernando. António. Nogueira. Pessoa.
A guerra é sempre duas:
pátria e/ou colonial.
A boca ardida.
O coração queimado.
Dá-me lume.
Quem passou uma ponte de madeira sabe
que as pernas tristes não t(r)emem cair.
Tu e a tua sombra são
o par mais desavindo.
A criança é tocada pela loucura do amor.
Nunca recupera.
O amor não é o ser gordo com que se casa
para ter um apartamento
ou uma merda assim.
O amor só pode ser
o nosso pai mesmo
na outra mãe.
Aos 22 anos, a idade
tornou-se-me inumerável:
tenho 22 22 22 22 anos.
A morte é um braço dormente:
sente-se, não age.
Por que razão faz gente mal
a outra gente?
Por tudo ser gente.
A minha carne sobrestima-me.
Olha que a tua também.
Com andamento de braço
e caligrafia de pé,
s’aguenta muito madraço,
muita merda, muita fé.
Caramulo, tarde de 27 de Junho de 2007
4 comentários:
Singelamente rendida à muito legítima boa escrita.
Gentileza tua.
Podes crer!
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