Dias tornam-se rios negros entre casas e árvores.
Homens e mulheres flutuam naufrágios mudos.
Fazem e desfazem filhos, cefaleias, papéis.
Homens e mulheres são dias e são noites.
Pertenço aos meus rios. Falo contigo
sem ti presente perante: ponte poente.
Ente tremendo de púbis de trigo
que ceifado foi-se a foice, presigo.
Um olho vermelho, outro azul,
a mil dimensões bosquejam o mundo.
Seres ovelham sua mesma tristeza,
a sul o coração calçado de farrapos.
As casas e as árvores casadas no meu peito,
sentem-nos elas desaparecendo no ar,
rejubila a terra de féretros anónimos,
envelhecem as estrelas de duro vidro.
E no entanto é ainda o tempo de vivermos.
Em cervejarias valsamos gargalhadas ferozes.
Cristos meninos rodam cervejas a camelos,
paracetamol e manteiga amaciam a febre.
Que sexuais magoados olhos coelhamos
a ancas de esquadro fendidas a golpe.
Nada nos adianta de nada de ante,
palpitam a bochecho vulvas cor-de-rosa-preta.
Areia colhemos de deditos pèzitos de criança,
velas brancas azulam a espuma dos vivos.
Morrem-nos os mortos esperando-nos,
fios de cera alumiando a longa amorosa espera.
Vivo a inumerável morte da minha vida
sem mariquices nem cacos de tijolo cru.
Tenho boca, olhos, orelhas e cu,
tenho a minha morte de vida servida.
Não é grave. Gosto de ver passar os cães,
carrinhos-de-choque de pulgas e humanidades.
Todos os dias me sinto e sirvo de carnificina,
faço uns telefonemas roucos, espero a Lua.
Em barracas moram filósofos de plástico,
anilhas de lata orelham-lhes canções,
um charco sulfúrico mitiga-lhes filharada,
passo com um recorte de jornal em vez de piça.
A vida é maravilhosa e muito interessante.
Em Paris, por exemplo, putas educadas
americanizam ostras e sovietizam champanhes,
tudo tão curioso, menos nossas estéreis avós.
Portugal anoitece como um cartão de rifas,
zarolhos fatimizam santas da ladeira,
os senhores ministros pulsam colesteróis,
shakespearea-se tremoços e filhas.
Autocarros mamutam pergaminhos operários,
meus versos não dão para táxialuguer,
vou de bossa pedestre como dromedários,
cerveja e camelos e gaja-mulher.
Junto ao rio, perto do caminho-de-ferro,
às três da manhã entre bate-chapas,
sirvo-vos hilariantes fados de loja,
recolho manhãzinha ao berço de gatas.
Militamos fortemente em nossa boca.
Tocamos por vergonha rosas alheias.
Luzitas ladram cegueiras caseiras.
Morrer é viver menos a parte louca.
Olha o valor da primavera, os colégios frios,
olha perder-se um homem em dias e rios,
lagoa-se de fresco a canoa de pau,
ter dinheiro e ter fome e ser bom e ser mau.
Anoitece muito, o cosmos da barriga.
Passam os cães sua surdina diligência.
Eu ando aqui, linha por lenha, lenha por linho,
ouço as ovelhas trágicas, os cómicos carneiros.
Faluas descem a minha cidade botânica.
Pertenço a esse corso dentífrico de almas.
Repetem risos alfarrabistas, os temporais
de meu irríguo coração desaprendedor.
Corto à direita depois de S. Bartolomeu,
cheiro a podridão magnífica das putas-mães.
Baila de madeira caruncha, ateneu,
a dor seca da água, do vinho, dos pães.
Rios nocturnam luas tão solares,
que as terças-feiras domingam segundas.
Dias são tão fundos, noites são tão fundas,
corações em casas e almas em bares.
Caramulo, tarde de 11 de Junho de 2007
2 comentários:
Foda-se...
É por causa de gaijos como tu que eu perco a coragem de escrever! Obrigado!
É isso. Para dizer que a vida é uma merda. Eu sei.
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