10/06/2007

Comércio, Diferença e Natação

I
Casas comerciais pequenas
abertas por gente pequena,
todas as noites fechadas,
um dia não abrem.
Um óbito, uma emigração,
uma falência, uma desistência.
Não sei, observo, desconheço.
Rapazes de sandálias e mulheres de chinelas
abordam rápido os pontos de venda
ainda abertos.
Cães adormecidos junto a montras
olhadas por crianças mudas.
A vila suporta sua mesma eternidade.
As crianças são de fora, são
filhas de gente que veio procurar
trabalho e casas abandonadas.
Não se faz nenhum filho na vila.
As raparigas vão
para uma das duas
cidades da região,
não voltam a estas ruas.
Ficam lá,
empregam-se lá,
emprenham-se lá,
esquecem e
são esquecidas.



II
Dentro de cada um de nós é diferente.
Dentro, o comércio é intenso.
Os olhos são as montras do bazar da memória.
Autores fátuos alternam-se no mesmo filme.
A vila dissipa-se em baía.
Ar não respiratório faz dançar flores pretas.
Santas dormem sobre lírios brancos.
Astronautas amniotas nautam ventres violados.
Violência e erotismo nas mãos calçadas.
Mais identidade nos pés do que na cabeça.
Pontes altas suspensas no ar.
Lençóis de terra encarnada sobem à tempestade.
Pássaros cantam dentro dos órgãos.
Cães mortos dentro de sacos de papel de padaria.



III
Como nadar de noite no mar ou no rio
é caminhar à sombra das árvores
molhadas de vento fresco e de inerte sol.
O meu corpo sente isso e diz-mo.
Fiz uns quilómetros de carro, deixei-o só
num pátio de cimento guardado por leões de gesso.
Depois caminhei subindo pela sombra do parque,
do lado de fora dessa solidão botânica.
Um nó de vento tomou-me a consciência.
O vento vira as páginas dos dias.
Por mim, caminho muito mais quando paro.
Nos lares domésticos como nos sanatoriais,
as pessoas são vasos florescendo para dentro.
Antes de sair em carro, folheei em casa
fotografias de gente cuja defunção é
tão viva e absurda e real como o
vento amanhã, digo, o vento
procurando corpo no rio ou no mar.



Caramulo,
tardes de 8 (I e II)
e 9 (III)
de Junho de 2007

1 comentário:

Paula Raposo disse...

Gostei de todos. Do I, do II e do III.

Canzoada Assaltante