Tarde, 5 do I
As coisas simplificam-se – até o sofrimento. Julgo ter descoberto a pólvora: isto é, o sentido da vida. Parece-me que é a simplicidade. No fim, não nos sobram pessoas. Duas ou três coisas, talvez. Talvez nem isso. Bom. Não posso entender de outra maneira. Perante um recital de Léo Ferré, por exemplo: o homem morreu, o artista ri-se disso em DVD. O artista oferece ao público a sua camisa. É uma camisa vermelha. Despe-a e oferece-a. Não fica em tronco nu: por baixo, traz uma camisa negra. Tão simples, ter morrido Léo. Ferré, claro que não. Noutra gravação, vejo-o e ouço-o numa entrevista. Fala da sua chimpanzé, Pépée. De como ela era sensível e inteligente: ao ponto de, tendo-se apercebido da cegueira do pianista de Ferré, lhe ter servido um copo de vinho e lhe ter levado a mão ao copo. Mas antes, Pépée passou a sua própria mão aberta em frente dos olhos cegos do músico, conferindo a escuridão. O pianista levou o vinho à boca e bebeu. O animal gostava de ver a garganta movendo-se dos bebedores. O pianista bebeu, a macaca observou. E Ferré, que assistira completamente emudecido a tudo isto, disse: “Et moi, j’ai pleuré”. Formosa história. Formosa, simples.
As coisas simplificam-se – até o sofrimento. Julgo ter descoberto a pólvora: isto é, o sentido da vida. Parece-me que é a simplicidade. No fim, não nos sobram pessoas. Duas ou três coisas, talvez. Talvez nem isso. Bom. Não posso entender de outra maneira. Perante um recital de Léo Ferré, por exemplo: o homem morreu, o artista ri-se disso em DVD. O artista oferece ao público a sua camisa. É uma camisa vermelha. Despe-a e oferece-a. Não fica em tronco nu: por baixo, traz uma camisa negra. Tão simples, ter morrido Léo. Ferré, claro que não. Noutra gravação, vejo-o e ouço-o numa entrevista. Fala da sua chimpanzé, Pépée. De como ela era sensível e inteligente: ao ponto de, tendo-se apercebido da cegueira do pianista de Ferré, lhe ter servido um copo de vinho e lhe ter levado a mão ao copo. Mas antes, Pépée passou a sua própria mão aberta em frente dos olhos cegos do músico, conferindo a escuridão. O pianista levou o vinho à boca e bebeu. O animal gostava de ver a garganta movendo-se dos bebedores. O pianista bebeu, a macaca observou. E Ferré, que assistira completamente emudecido a tudo isto, disse: “Et moi, j’ai pleuré”. Formosa história. Formosa, simples.
Caramulo, tarde de 5 de Janeiro de 2007
5 comentários:
Sem dúvida. Os gestos simples trazem a imortalidade. Eu não a desejo...gostaria até de desaparecer com um estalar de dedos como no 'casei como uma feiticeira'!! Nem me lembro do título em inglês. Também não interessa para agora. Interessa que tudo é uma treta. Beijos. Gosto do que escreves. Também pouco te deve importar, mas pronto, eu tenho sempre que dizer alguma coisa, se não não seria eu! Por agora...
Caro Daniel,
Eis que agora não posso deixar de dar a minha colherada. Léo Ferré é um dos meus! Sempre!
Recebi-o no Aeroporto de Lisboa e quando lhe mostrei O Álbum que lhe fizéramos, disse-me mais ou menos isto: "Os filhos da puta dos franceses nunca foram capazes de me fazer uma coisa assim!..."
E depois foi a enorme cumplicidade durante alguns memoráveis dias. A sua admiração quando lhe disse das corujas que coabitam na minha casinha florestal há mais de 35 anos...
A sua mão no meu ombro, no Cais do Sodré...As saudades que eu tenho dele!...
Subscrevo o que diz este camarada francês:
"Grace à toi, Léo, je n'ai jamais été seul, même au plus noir de mes détresses. Ta voix, tes poèmes, ta musique étaient là pour marcher près de moi dans le parc de ma solitude ; dans ce vieux parc solitaire et glacé... Ca existe, ça, tu sais, et c'est fantastique. C'est bien plus fort que l'amour, ça ne finit jamais ...'
Francis Lalanne
É isso tudo, de facto, Paula, Zé e Francis.
Je vous signale le nouveau coffret de Léo Ferré réunissant 3 concerts au Théâtre libertaire de Paris en 1986, 1988 et 1990 (6 CD et 1 DVD). Uniquement en vente sur http://www.leo-ferre.com
Amitiés
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